Justiça e paz

Logo após a queda do bimotor em Gramado, matando a família inteira de um empresário, assombrou as redes uma postagem crudelíssima, festejando que morreram uns ricos, batendo o avião em casas de ricos, todos eleitores do Bozo. Mensagem típica do ódio de luta de classes. Uma hora depois da tragédia, eu fazia a primeira leitura na missa do Mosteiro de São Bento, com a profecia de Miquéias sobre o nascimento do Salvador, que estamos comemorando agora.

As últimas palavras são: “E Ele mesmo será a paz”. Aquele cujo Natal festejamos traz a paz do amor, oposto da guerra do ódio. A paz que Jesus traz é a finalidade da Justiça. A paz é o objetivo da Justiça; resolver os antagonismos entre as pessoas e entre a lei e as pessoas, obtendo a paz. Acirrar ânimos e antagonismos é totalmente contrário ao objetivo da Justiça. Cabe indagar se o topo do Judiciário brasileiro tem buscado a paz ou age em sentido contrário.

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Um dos principais tribunais de Roma mostra na fachada o princípio Gratia et Justitia. Compaixão e Justiça devem andar juntas, porque Justiça não é vingança; ao contrário, é pacificação. Essa graça ou compaixão foi o que o presidente anterior concedeu a Daniel Silveira, usando da competência privativa prevista no art. 84, XII, da Constituição.

O Supremo, desprezando a competência privativa do presidente da República, anulou o indulto. Nessa quarta-feira, 25, Daniel Silveira, preso político, não passou o Natal com a família, ao contrário dos milhares de condenados beneficiados com o saidão. Tudo ante o encolhimento ignominioso da Câmara dos Deputados, que ignorou o artigo 53 da Constituição, que garante(?) imunidade a deputados e senadores por quaisquer palavras.

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Às vésperas do Natal, em evento musical, artistas militantes de esquerda, ao saberem da presença do ministro Moraes, conduziram o coro “Sem anistia! Sem anistia!” – como se considerassem que o assunto não é com o Congresso, mas com um ministro do Supremo. Em 1979, o governo do general Figueiredo propôs “anistia ampla, geral e irrestrita”, que virou lei.

Buscava a pacificação, antes de devolver o poder aos civis. Tido como o principal provocador da ação militar que derrubou o presidente Goulart, Leonel Brizola, ao voltar do exílio, anistiado, me disse: “Companheiro, o que é anistia senão esquecimento? Vamos esquecer o passado e construir o futuro!”. Pergunto se estamos construindo o futuro ou ficamos presos ao passado, acirrando animosidade a cada dia.

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Anistiados, Fernando Henrique, Dilma e Lula viraram presidentes. Lula foi anistiado pela segunda vez, via Supremo, de três condenações na Lava-Jato. Serra, anistiado, foi governador; José Genuíno, presidente do PT. A anistia de 1979 fez esquecer homicídios, sequestros, assaltos, bombas. Mas agora, para a mãe manifestante armada de batom, a mensagem é “sem anistia”. Esse grito perto do Natal não brota de corações cristãos.

Em 1979, o governo que tomou a iniciativa da anistia reconheceu que de seu lado também foram cometidos crimes que precisavam ser esquecidos em nome da paz futura. O jurista Ives Gandra pensa que paz amanhã só com anistia para os dois lados, hoje. Anistia para os que cometeram crimes de arbítrio e contra a Constituição e para os “antidemocráticos” sem meios para um golpe, do outro lado.

Lula acaba de conceder indulto de Natal, excetuando “crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Como se vê, não basta enviar ou gravar mensagem de Feliz Natal. É preciso ação de paz, se quiser homenagear o nascimento daquele que é a própria paz, pois só com paz a Justiça cumpre seu objetivo – e nos salvamos como nação.

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