O papa Leão XIV celebrou nesta sexta-feira (9) sua primeira missa como líder da Igreja Católica, reunindo os cardeais na Capela Sistina para uma homilia marcada por reflexões sobre a fé. O novo pontífice, nascido Robert Prevost, usou o momento para alertar sobre um fenômeno que chamou de “ateísmo prático”, que segundo ele se manifesta mesmo entre cristãos batizados.
Pontos Principais:
- Leão XIV celebrou sua primeira missa como papa na Capela Sistina.
- Pontífice criticou a visão de Jesus como super-herói ou ícone carismático.
- Alertou sobre a presença do “ateísmo prático” até entre cristãos batizados.
- Comprometeu-se a ser um administrador fiel e evocou o legado de Francisco.
Durante sua fala, o papa afirmou que Jesus vem sendo reduzido, em muitos discursos, a uma figura de super-herói ou apenas um líder carismático. Leão XIV argumentou que essa visão superficial prejudica o verdadeiro sentido da fé e distancia os fiéis de uma relação profunda com Cristo. Sua crítica foi direta: “há muitos cenários em que Jesus é reduzido a uma espécie de super-homem”.

A homilia também evocou o legado de seu antecessor, o papa Francisco. Segundo Leão XIV, o mundo atual exige um testemunho jubiloso da fé cristã, mesmo diante de uma realidade marcada por crises espirituais. “Este é o mundo que nos foi confiado”, afirmou, referindo-se ao papel dos fiéis na transformação de uma sociedade que vive sob a sombra da descrença.
Em seu compromisso inicial, o novo pontífice declarou que pretende ser um “administrador fiel” da Igreja, pronto para enfrentar os desafios contemporâneos. Para ele, o papel da Igreja deve ser o de levar luz “para as noites escuras do mundo”, destacando um desejo de reconectar os católicos com a espiritualidade profunda.
A eleição de Prevost aconteceu na tarde da quinta-feira (8), após deliberações do conclave na Capela Sistina. Pouco mais de uma hora depois da fumaça branca, ele apareceu na Basílica de São Pedro e foi apresentado ao mundo. Ao escolher o nome Leão XIV, o papa remete a uma tradição esquecida há mais de cem anos.
A escolha do nome também trouxe especulações sobre o tom que seu papado pretende seguir. O último papa com esse nome foi Leão XIII, lembrado por sua atuação social e defesa dos direitos dos trabalhadores. Com isso, observadores do Vaticano já preveem uma aproximação entre o novo pontífice e o estilo reformista de Francisco.
O papa Leão XIV inicia seu pontificado em meio a expectativas sobre a condução da Igreja diante de crises internas e externas. Seus primeiros discursos sugerem uma agenda focada na revalorização da fé como experiência viva, além da retomada do simbolismo cristão como guia de conduta para o mundo contemporâneo.
Leia a homilia na íntegra
“Vou começar em inglês e o restante em italiano, mas quero repetir as palavras de Salmos: ‘Cantai ao Senhor um cântico novo, porque fez maravilhas’.
E de fato, não só comigo, mas com todos nós, meus irmãos cardeais. Eu convido vocês a celebrar as maravilhas que Ele fez, as bênçãos que Deus continua a derramar sobre nós. Para o ministério de Pedro, vocês me chamaram para essa missão e convido todos a caminharem comigo, como comunidade dos discípulos de Cristo que anunciam o Evangelho. ‘Tu és o Cristo o filho do Deus vivo’, com estas palavras, Pedro, interrogado pelo mestre, juntamente com os outros discípulos sobre a sua fé nele, resume a herança que a igreja através da sua sucessão apostólica em 2 mil anos, conserva, aprofunda e transmite ao longo dos 2 mil anos.
Jesus é o Cristo, o filho do Deus vivo, isto é, o único salvador e revelador da face do pai. Nele, Deus para se fazer próximo e acessível aos homens revelou-se a nós no olhar confiante de uma criança, na mente viva de um jovem e nos traços maduros de um homem até aparecer aos seus depois da Ressurreição com o seu corpo glorioso.
Ele nos mostrou, assim, um modelo de humanidade santa que todos podemos imitar, juntamente com a promessa de um destino eterno que ultrapassa todos os nossos limites e capacidades. Pedro, na sua resposta, capta ambas as coisas. O dom de Deus e o caminho a seguir para se deixar transformar por ele. Dimensões inseparáveis da salvação, confiadas à Igreja para que ela anuncie para o bem do gênero humano. Confiai-nos a nós, escolhidos por ele antes de sermos formados no ventre materno, regenerados nas águas do batismo e para além dos nossos limites e sem o nosso mérito, conduzidos até aqui e daqui enviados para que o evangelho seja anunciado a toda a criatura.
Em particular, Deus chamando-me através do vosso voto, para suceder ao primeiro dos apóstolos, confia-me este tesouro para que, com sua ajuda, eu seja o seu fiel administrador em benefício de todo o corpo místico da igreja, para que seja cada vez mais uma cidade edificada sobre o monte, uma arca de salvação que navega nas ondas da história, um farol que ilumina a escuridão do mundo. E isto não se deve tanto à magnificência das suas estruturas, ou à grandeza das suas construções, como os monumentos em que encontramos, mas, sim, à santidade dos seus membros, daquele povo que deus adquiriu para si, para que anuncie as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.
Contudo, na raiz da conversa em que Pedro faz em sua profissão de fé, também há uma outra questão. Pergunta Jesus: ‘Quem dizem eles que é o filho do homem?’. Essa não é uma questão banal, mas diz respeito a um aspecto importante do nosso ministério: a realidade em que vivemos com os seus limites e as suas potencialidades, as suas questões e suas crenças. Quem dizem as pessoas que é o filho do homem? Pensando na cena sobre a qual estamos a refletir, poderíamos encontrar duas possíveis respostas para esta pergunta que delineiam duas atitudes diferentes: em primeiro lugar, a resposta do mundo.
Mateus enfatiza que a conversa entre Jesus e seus seguidores sobre a sua identidade acontece na bela cidade de Cesareia de Filipe, repleta de edifícios luxuosos, situada em um cenário natural e encantador aos pés do Monte Hérmon, mas também lar de círculos cruéis de poder, cenário de traição e infidelidade. Essa imagem nos fala de um mundo que considera Jesus uma pessoa sem importância nenhuma, no máximo um personagem curioso que pode causar admiração do seu modo estranho de falar e de agir. E assim, quando a sua presença se torna incômoda devido às suas exigências morais e honestidade, esse mundo não hesitará em rejeitá-lo e eliminá-lo.
Depois, há uma outra possível resposta à pergunta de Jesus: a das pessoas comuns. Para elas, o nazareno não é um charlatão, é um homem justo, corajoso, que fala bem e que diz coisas certas como outros grandes profetas da história de Israel. É por isso que eles o seguem, pelo menos enquanto podem fazê-lo, sem muitos riscos e conveniências. Mas eles o consideram apenas um homem e, portanto, num momento de perigo, durante a Paixão, eles também o abandonam, e vão embora desiludidos.
O que chama atenção nessas duas atitudes é a sua atualidade. Elas são encontradas na boca de muitos homens e mulheres do nosso tempo. Também hoje existem muitos contextos em que a fé cristã é considerada algo absurdo, algo para pessoas fracas e pouco inteligentes, contextos em que outras certezas são preferidas a ela, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder, o prazer. Esses são ambientes nos quais não é fácil testemunhar e proclamar o Evangelho e um daqueles que creem e acreditam são ridicularizados, combatidos, desprezados, ou ao máximo tolerados e lastimados, mas precisamente por isso são lugares onde a missão é urgente, porque a falta de fé muitas vezes traz consigo tragédias, como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação da dignidade da pessoa nas formas mais dramáticas, a crise da família e muitas outras feridas das quais sofrem – e não pouco – a nossa sociedade.
Embora apreciado como homem, [Jesus] é reduzido a apenas um líder carismático, a um super-homem, isso não só entre os crentes, mas também entre muitos batizados, que assim acabam vivendo em um enteísmo do fato. Este é um mundo cujo é confiado, como o papa Francisco nos ensinou muitas vezes, somos chamados a testemunhar a fé em Jesus, o salvador, de forma alegre. Por isso, também pra nós é essencial repetir: ‘Tu és o Cristo, filho do Deus vivo’.
É essencial fazer isso antes demais na nossa relação com Deus, no compromisso de um caminho diário de conversão. Mas também como Igreja, vivendo juntos a nossa pertença ao senhor e levando a boa nova a todos. Digo isto, antes demais, a mim mesmo, como sucessor de Pedro, ao iniciar a minha missão de bispo da Igreja em Roma, chamado a presidir na caridade a Igreja universal, segundo a célebre expressão de Santo Inácio de Antioquia. Ele levado acorrentado a esta cidade, lugar do seu iminente sacrifício, escreveu aos cristãos que lá estavam: ‘Então serei verdadeiramente discípulo de Jesus Cristo quando o mundo deixar de ver o meu corpo’. Ele se referia à possibilidade de ser devorado pelas feras no circo, e assim aconteceu, mas as suas palavras evocam em sentido lato, um compromisso indispensável para que na Igreja exerça um ministério de autoridade. Desaparecer, para que Cristo permaneça. Fazer-se pequeno, para que ele seja conhecido e glorificado. Gastar-se completamente, para que ninguém perca a oportunidade de o conhecer e o amar. Que Deus me conceda esta graça hoje e sempre essa graça, hoje e sempre, com a ajuda da terna intercessão de Maria, mãe da Igreja”.
Fonte: Vaticannews, Terra, Folha e CNN.
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