Desde 1999, o jornalista e crítico de cinema Rodrigo de Oliveira acompanha o Oscar. Testemunhou, na época, o filme nacional Central do Brasil perder as estatuetas de Melhor Filme Internacional e de Melhor Atriz.
Vinte anos depois de acompanhar a premiação mais importante do cinema pela primeira vez, Oliveira viu, emocionado, em março, o Brasil conquistar a primeira estatueta do Oscar. Ainda Estou Aqui foi reconhecido com a condição de Melhor Filme Internacional.
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A noite de celebração, no entanto, terminou com um tanto de frustração após Fernanda Torres ter perdido na categoria de Melhor Atriz para Mikey Madison, protagonista de Anora. Inconformados, muitos brasileiros foram às redes sociais para criticar a academia pela derrota e alegaram que o troféu havia sido roubado de Fernanda. Rodrigo, entretanto, não vê a questão dessa maneira.
Diretor-executivo da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (Accirs) e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), se dedica há mais de duas décadas à sétima arte. Iniciou, em 2016, o Almanaque 21, uma revista digital voltada ao tema e publicada mensalmente.
No ano passado, o jornalista, que é canoense, foi jurado dos longas-metragens no Festival de Cinema de Gramado, ao lado de Lorenna Montenegro e de Renata Sofia. Oliveira também publicou o livro O Cinema de Jorge Furtado, acerca do diretor gaúcho responsável por filmes como Saneamento Básico e Meu Tio Matou um Cara.
Passado o frisson da presença do Brasil no Oscar, Rodrigo traz a sua análise sobre a 97ª edição do evento. Também tece as suas considerações acerca do impacto do sucesso de Ainda Estou Aqui para o cinema nacional.
Entrevista – Rodrigo de Oliveira, crítico de cinema
- Gazeta – Para muitos, Fernanda Torres foi roubada na atribuição do Oscar de Melhor Atriz, assim como ocorreu com a mãe dela em 1999. Você acredita nessa teoria? Não foi um crime como foi com a Fernanda Montenegro. Eu acho que a Mikey Madison está muito bem no papel de protagonista, e o filme é muito bom também. Então, não considero que seja a mesma coisa que aconteceu há 25 anos. Mas dá aquela dorzinha no coração. Até porque, na época, o Shakespeare Apaixonado era um filme da Miramax, dos irmãos Weinstein. E, naquela época, olha, o que rolava nos bastidores a gente nem sabe direito. E eles eram muito estratégicos, para não dizer outra palavra. Anora, por exemplo, é um filme independente, que teve uma campanha bem grande agora no final. Ele foi feito pela produtora Neon, a mesma que levou Parasita ao Oscar. E eles também são muito estratégicos, mas é outro tipo de estratégia, menos selvagem como era antigamente. Então, por isso eu não acho que fomos roubados, não vejo assim. Talvez a Demi Moore sinta-se assim, porque ela estava com uma mão no Oscar. Mas ter ganhado o Oscar de Melhor Filme Internacional é uma baita vitória, já é uma coisa de se comemorar. E ter sido indicado ao Oscar de Melhor Filme já é uma coisa, já é pra abrir o champanhe, como diz a Fernanda Torres. Então, embora a gente tenha sentido aquele gostinho amargo no final porque o prêmio da atriz não veio, temos que comemorar muito, porque é um Oscar muito importante.
- Na sua avaliação, qual o motivo de Ainda Estou Aqui ter feito tamanho sucesso? São vários. Em primeiro lugar, o fato de o filme ter ido muito bem internacionalmente no começo ligou um alerta nas pessoas. Primeiro foi exibido em Veneza e ganhou o prêmio de melhor roteiro. A partir dali, já se falava na possibilidade do Oscar. Quando estreou, em novembro, o filme atraiu muitas pessoas depois de ter despertado a curiosidade internacional. E o brasileiro adora ser chancelado pelos gringos. Também ajuda o fato de ser um filme falando de uma história que não deve ser esquecida, sobre uma família que passou o inferno por conta da ditadura militar. E nós ouvimos disparates tempos atrás, de pessoas querendo que a ditadura voltasse, o que é uma bobagem. E o filme mostra muito bem isso, que não deve voltar nunca. E Ainda Estou Aqui é impactante porque conta uma realidade brasileira, mas que pode ser comparada com os dias de hoje. A gente está vivendo tempos autoritários, estamos vivendo a era de Donald Trump novamente nos Estados Unidos. Tudo isso ajuda o filme a ser ainda mais atual, a despertar a curiosidade das pessoas. Acho que tem aquela coisa da tempestade perfeita, as coisas às vezes acontecem em momentos certos, como um contexto perfeito. E eu acho que o Ainda Estou Aqui foi o filme certo no momento certo.
- Diante do sucesso de Ainda Estou Aqui, acredita que o cinema deve explorar mais o período histórico? Sim. Eu acho que o Brasil até demorou para fazer filmes sobre a ditadura miltar. Temos alguns pontuais, o Pra Frente Brasil, por exemplo, lançado em 1982, durante o período. E depois tivemos O que é Isso, Companheiro?, que também foi indicado ao Oscar. Mas a Argentina, por exemplo, parece que foi muito mais rápida em colocar os seus demônios no cinema, e em contar essas histórias. É possível que o Brasil, com o sucesso conquistado por Ainda Estou Aqui, produza mais filmes sobre a temática. Mas também é importante saber que não é por causa disso que teremos que contar só histórias desse período. É importante abordar outros temas. Há o Agente Secreto, do Kleber Mendonça Filho, que é bem possível que esteja nas cabeças do Oscar e se passa nos anos 1970, durante a ditadura militar. Mas não sei também como vai ser a história, porque ainda é segredo. E é com o ator Wagner Moura, famoso nos Estados Unidos. Então, talvez possamos ter êxito. Acho que podemos nos surpreender.
- Você mencionou uma questão bastante importante, que é o fato de o brasileiro gostar da chancela internacional. Na sua avaliação, precisaremos do consentimento externo ou vamos de fato começar a valorizar as produções nacionais? Eu gostaria de dizer que teremos um público maior em filmes nacionais, sem precisar daquela chancela americana ou europeia. Mas é difícil, bem difícil. Vimos agora, por exemplo, Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa conseguindo um milhão de espectadores, o que é uma coisa incrível, mas demorou, achei que seria mais rápido. Já O Auto da Compadecida 2 conseguiu chegar a quatro milhões. E tivemos ainda Vitória. Eu espero que, por ter a Fernanda Montenegro, seja o nosso primeiro farol de como o público brasileiro vai aceitar o cinema brasileiro.
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