Sonho tropical

Há dois anos, decidimos morar em uma casa. Foi tudo relativamente rápido. O vendedor aceitou o nosso apartamento na troca, o condomínio era ótimo, e as janelas maiores nos faziam sentir menos aprisionados em tempos de pandemia. E havia espaço para um pequeno jardim.

Antes mesmo da mudança, já estávamos mexendo na terra. Na floricultura, vi um pequeno pote com uma Alocasia, uma planta tropical que se desenvolve muito bem na sombra. Mas a mudinha custava caro. Então fui ao Google. Em um conhecido site chinês com nome de conto persa, achei sementes de Alocasia a um custo praticamente simbólico e frete grátis. Compra internacional.

Confesso que não imaginei receber. Minha encomenda certamente ficaria retida na fiscalização sanitária e acabaria incinerada. Meses depois, quando já estava quase esquecida do assunto, o pacotinho apareceu. Postado em Malmö, uma cidade portuária na Suécia. Dentro, um punhado de sementes miudinhas.

Foi uma alegria. Com cuidado, distribuí minha futura realização em uma sementeira e logo despontaram as primeiras folhas. Em poucos dias, transplantei as mudinhas para o jardim e elas começaram a crescer rapidamente. A aparência? Realmente não pareciam com as fotos do vendedor. Mas eu acreditava que, aos poucos, iriam mudar. Na minha fantasia, seriam Alocasias da floresta, de um verde profundo recortado por acidentadas trilhas cor de creme. Gigantes e impetuosas, um canto de frescor em meio ao verão escaldante desse lado do planeta.

Isso, até a Luiza chegar na minha frente e dizer: “Aquilo lá fora é um pé de couve”. Assim, impiedosamente, me fez ver o óbvio: haviam me vendido gato por lebre. O gato, no caso, era possivelmente uma prima distante da minha Alocasia, também conhecida por taioba ou couve chinesa. Comestível, dizem. Mas aqui em casa ninguém se arriscou.

Em minha defesa pergunto: quem nunca se deixou levar pela fantasia? Quem nunca ficou cego de paixão? Ou de encantamento? Ou até de raiva? Para descobrir ali adiante que havia sido enganado por alguém muito esperto, pelo Instagram, pelo candidato que iria mudar tudo, pela pessoa amada e, insuportável conclusão, pelo próprio cérebro. E, apesar de todas as evidências, quem nunca entrou em negação ao menos por alguns dias, ou meses, ou anos, ou uma vida inteira?

Eu queria tanto o meu canto tropical que não vi que era um pé de couve. Talvez proveniente da China. Ou da Suécia, ou sei lá de onde. Mas era couve. Folhas gigantes, absurdas… de couve.

Derrubei um pouco sentida meus sonhos de verão e mergulhei na sensatez do gélido e úmido inverno santa-cruzense.

Ainda que doa, é sempre mais seguro ficar com a realidade.

Coluna publicada originalmente em 4 de agosto de 2022.

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