Romar Beling: “que as tipuanas (nenhuma delas) jamais sejam colocadas sob risco”

A cidade de Santa Cruz do Sul possui em sua área central dois cartões-postais inquestionáveis e inconfundíveis, que projetam a cidade, como feitos de primeiro mundo: a Catedral São João Batista e o Túnel Verde de tipuanas. Ambos foram efetivados em sequência, ainda na primeira metade do século passado.

A Catedral, uma obra humana a partir de recursos naturais; o Túnel Verde, um colosso idealizado, plantado e cuidado por mãos humanas que se desenvolveu viçoso, de forma natural, como um ecossistema. São dois símbolos definitivos de Santa Cruz. Quando a Catedral havia sido inaugurada, o passo seguinte foi a comunidade se unir no plantio de árvores que propiciassem sombra e conforto térmico, em alameda suntuosa ao longo da rua do Centro, inspiração que veio de cidades do país e do exterior sintonizadas com o verde. Um legado da geração dos bisavós e dos avós dos de hoje, que quiseram deixar um presente para os netos e bisnetos.

Atualmente, está em pauta a continuidade no projeto de revitalização da Rua Marechal Floriano, agora nas duas quadras entre a 28 de Setembro e a Ramiro Barcelos. A obra em si de fato é acalentada pela população, tendo em vista que o passeio público (a calçada) está bastante danificado naquele trecho. Mas está danificado por efetiva falta de manutenção, no que raízes das tipuanas até atuam, mas jamais por culpa delas, e sim pela inadequação do modelo de calçada e de paisagismo ali adotado, em completa dissonância com o que preconiza a gestão ambiental (e também com acessibilidade para cadeirantes, por exemplo).

É providencial que o passeio público seja revitalizado. Mas é incontornável que isso seja feito preservando, valorizando e salientando ao máximo o grande patrimônio da área central da cidade, que é justamente a alameda de tipunas. Que elas (nenhuma delas) jamais sejam colocadas sob risco ou que jamais se cogite suprimir alguma se não em casos extremos, o que é absoluta exceção. Por razão simples: suprimir uma ou algumas seria abrir uma clareira.

Ocorre que uma alameda costuma ser implantada, em qualquer lugar do mundo, com espécie adequada (e é o caso da tipuana) em forma de maciço, para que as árvores se protejam umas às outras em casos de vento forte. Juntas, se resguardam, tramam seus galhos e freiam a força do vento. Como as do Túnel Verde do Centro demonstram com eficiência há décadas. No que algumas são retiradas, as restantes tornam-se muito mais vulneráveis, fragilizadas, ameaçadas. E, obviamente, elimina-se o efeito visual do maciço, abrindo áreas para a entrada da luz do sol (do calor), prejudicando de forma irremediável o fator ambiental.

Há outra alameda de tipuanas igualmente famosa no Rio Grande do Sul. É a da Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, esta aliás tombada como Patrimônio Histórico, Cultural e Ecológico de Porto Alegre. Já foi chamada de A Rua Mais Bonita do Mundo, e sua implantação é simultânea à da Marechal Floriano. São quase irmãs. É, efetivamente, belíssima. Com todo o respeito e carinho pela de lá, tenho de confessar que acho o Túnel Verde da Marechal Floriano ainda mais bonito, majestoso. Começa que a extensão é maior, o número de tipuanas aqui também é maior (que siga assim!), e ela constitui justamente a via central, o coração de Santa Cruz. Não se mexe com o coração se não for para o bem! E, obviamente, com manejo muito, muito especializado.

Por outro lado, difunde-se tanta inverdade a respeito da vida útil da espécie. As tipuanas que compõem o Túnel Verde do centro de Santa Cruz não chegaram nem à meia-idade delas. Uma tipuana vive muito bem por mais de 200 anos; as do Centro estão por volta dos 70, 80. Logo, o santa-cruzense que nasce neste início de 2025 chegará aos 100 anos ainda caminhando, talvez apoiado em sua bengala, à sombra benfazeja desses galhos.

Há décadas as tipuanas da Marechal Floriano pairam altaneiras, charmosas, sobre a via e sobre o passeio. Que cada lojista, cada morador, cada transeunte, do mais pequenininho ao vovô, saiba cuidar, zelar e acalentar cada um daqueles colossos de seiva como um amigo querido. Que saiba respeitar, e que não queira jamais agredir, que dirá então machucar. O gestor público, o gestor privado, o empresário e o cidadão que souberem zelar pelo Túnel Verde de tipuanas estarão zelando por qualidade de vida, por bem-estar, por um patrimônio de Santa Cruz impossível de repor. Tente tirar a Catedral e tente descaracterizar o Túnel Verde do centro de Santa Cruz: será uma verdadeira agressão ao patrimônio coletivo.

No dia em que uma tipuana da rua central for posta abaixo, por quem quer que seja, já não serão as gerações de hoje que verão outra do mesmo tamanho em seu lugar. Será preciso de novo plantar, e zelar por décadas, para que talvez (talvez) as gerações seguintes vejam o que as nossas já não verão. E como há coisas boas e necessárias neste mundo que já não veremos mais, não é mesmo? Que não seja o Túnel Verde de tipuanas a próxima delas.
 

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