Cantor de 20 anos sofre AVC e faz reabilitação com uso de karaokê no Ceará


Vinicius dos Santos sentiu o primeiro sinal do AVC ao derrubar o microfone enquanto cantava em um show no município de Pedra Branca, no interior do estado. Anjos do Sertão: cantor de vaquejada passa por reabilitação de AVC com uso de karaokê.
O cantor Vinicius dos Santos, de 21 anos, cantava e dançava com o público do município de Pedra Branca quando derrubou o microfone durante a apresentação. O susto era prenúncio de algo mais grave. Ao mesmo tempo, ele foi surpreendido com dormência e perda da força no braço direito. Ali, acendia o primeiro sinal de alerta, cinco dias antes de sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), em 25 de julho deste ano.
🏩 Esta é a terceira reportagem da série “Anjos no Sertão”, publicada no g1, sobre o município de Quixeramobim, referência nos cuidados com relação ao AVC. Leia a primeira reportagem aqui e a segunda reportagem aqui.
A vocação para a música foi levada em consideração pela equipe médica ao escolher o tratamento para ele: o karaokê. Durante 10 dias, Vinicius trocou os palcos pela ala de reabilitação. “Ajudou demais. A fonoaudióloga colocava e eu fazia o karaokê quase todo dia. Uma vez por dia”, lembrou o cantor.
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No período, o público diminuiu, passou a ser apenas os profissionais do Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), mas a animação com o show particular tinha nova motivação: a recuperação dele, que não conseguia sequer falar devido à sequela do AVC.
“Tive dormência do lado direito do corpo. Aí, quando deu o AVC, eu perdi logo a fala”, lembrou o cantor.
Vinicius tinha 20 anos, à época. Jovem, cantava nas vaquejadas que acontecem no Sertão do Ceará, e nunca imaginou que poderia sofrer um AVC. “[Quando teve o primeiro sintoma] eu até escondia um pouco porque eu estava fazendo um show. Eu estava cantando e um braço caiu. Caiu até o microfone que eu estava segurando. Eu fiquei nervoso, mas, com dez minutos, voltou a força na mão de novo. Eu não sabia o que era isso. Eu até escondi”, lembrou o cantor sobre a não aceitação do diagnóstico que se aproximava.
Cantor de vaquejada, Vinicius dos Santos sofreu um AVC aos 20 anos, no interior do Ceará.
Arquivo pessoal
Ele mora no distrito de Mineirolândia, no município de Pedra Branca — que faz parte da Área Descentralizada (ADS) de Saúde da macrorregião do Sertão Central. Primeiramente, foi levado ao hospital municipal e, depois, encaminhado ao HRSC.
“Foi muito bom. O hospital é maravilhoso. Fiz amizade lá, o povo me deu força. Os profissionais são excelentes. Não tenho o que reclamar. Só agradecer mesmo. Primeiramente a Deus e os profissionais do hospital”, agradeceu o cantor.
Para ele, que não conseguia sequer falar, voltar a cantar, inclusive, pode ser considerado um milagre. “Eu não acreditava que eu ia voltar, porque fiquei até surpreso já que eu não falava nada. Aí com o tempo, elas [equipe médica] passaram os tratamentos, de falar, escrever, cantar. Aí eu voltei. Fiquei até surpreso”, disse o artista, que voltou aos palcos a cerca de dois meses, e agora canta na Banda Forró do Amostradim, de Quixeramobim.
Os esforços de Quixeramobim na prevenção, atendimento e tratamento do AVC renderam ao município o título internacional de “Cidade Angels”. Entre vários fatores, a referência do HRSC em relação aos cuidados com o AVC tiveram peso fundamental no título universal. Agora, o município é o quinto da América Latina a conseguir este certificado.
Quixeramobim, município onde está localizado o Hospital Regional do Sertão Central, também se tornou uma cidade referências nos cuidados contra o AVC
Louise Anne Dutra/SVM
Estratégias de tratamento
Vinicius foi um dos 1.029 pacientes de AVC atendidos no HRSC em 2024 (até novembro). O número, inclusive, superou todo o ano de 2023. As centenas de pacientes recebem um protocolo de tratamento em comum, mas as reabilitações são pensadas caso a caso.
“Todos os pacientes com AVC recebem um tratamento medicamentoso, que é um tratamento profilático, para que seja evitado um novo tipo de AVC. É utilizada também a fisioterapia, seja motora, seja respiratória, voltado para cada caso, além de terapia ocupacional, para que aos poucos o paciente vá fazendo terapia, vá fazendo atividades que envolvem mais o dia a dia dele, como abrir uma pasta de dente, como pegar uma caneca”, explicou Victor Abreu, neurologista e chefe da Unidade de AVC do HRSC.
Após o protocolo universal, as equipes médicas avaliam quais são as especificidades de cada paciente de AVC para aplicar nas reabilitações. Além da fisioterapia comum, alguns pacientes são submetidos a metodologias especiais. No HRSC, há exemplos como o uso de karaokê e videogames nas reabilitações dos pacientes.
Já tem alguns estudos que perceberam que esses pacientes têm uma melhora um pouco mais rápida. Além de envolver o lúdico do paciente, envolve uma melhora tanto psicológica, quanto física mais rápida
“O paciente vai fazendo atividades motoras finas, que é como a gente chama. Um movimento mais fino, um movimento mais delicado. Esse movimento que ele vai fazendo, de acordo com o que o videogame vai pedindo, vai aumentando a neuroplasticidade, que é o aprendizado de novos neurônios para fazer aquela função que ele perdeu. Então o videogame acelera esse processo, assim como o próprio karaokê”, complementou o chefe da unidade de AVC do HRSC.
Ao identificar os sintomas de um AVC, como fala embolada e dificuldade em movimentar um braço ou perna, a recomendação é acionar o 192
Louise Anne Dutra/SVM
Vitor reforçou, no entanto, que é necessária atenção ao escolher as metodologias de reabilitação, pois é fundamental a avaliação individual de cada paciente. “Para seguir esse tipo de terapia, o paciente tem que atender alguns critérios. O primeiro é estar estável clinicamente; segundo, o paciente tem que conseguir sair do leito e ir para o local onde ele possa realizar aquela atividade com o videogame ou com o karaokê”, destacou.
“E tem que ter um perfil que seja algo de acordo com a vida ou a rotina do paciente. Não adianta eu colocar um paciente no karaokê, onde ele não tem alteração da fala, ou então ele não se sente à vontade para cantar”, explicou o médico.
O neurologista disse também que o HRSC conta com um espaço aberto aos pacientes de AVC para que eles possam ter contato com o sol e interação com outras pessoas, o que ajuda na recuperação pois serve como alternativa para que os internados não fiquem limitados ao espaço do leito.
O jogo da reabilitação
Se no caso do cantor Vinicius dos Santos a vocação para música foi determinante no tratamento pós-AVC, para a ex-professora Núbia Gonçalves, de 75 anos, o tratamento foi uma novidade surpreendente.
Na madrugada do dia 12 janeiro de 2023, a aposentada estava dormindo em sua casa no município de Orós, no centro-sul cearense, quando despertou para ir ao banheiro e sentiu a perna esquerda dormente. “Fui para o banheiro arrastando a perna, que era pertinho do quarto. Aí, quando eu me sentei no aparelho, eu não me segurei, arriei e caí”, relembra.
Quando Núbia conseguiu chamar o filho, o advogado Marcus Gonçalves, ele pôs a mãe no carro e a levou ao hospital municipal. Além da dormência na perna, ela chegou ao local com a fala embolada.
Lá, a equipe médica afirmou que os sintomas eram de AVC, e que a ex-professora precisaria ser levada ao Hospital Regional do Sertão Central (HRSC), em Quixeramobim. O contato com a unidade de referência foi feito pela própria equipe de Orós, e dona Núbia chegou à unidade de referência ainda pela manhã.
“Ela já estava falando, devagarzinho e tudo. Ela que foi relatando tudo o que aconteceu”, conta Marcus. Núbia passou oito dias internada no hospital, e lá passou por um tratamento que chamou atenção: a fisioterapia com videogame.
A técnica foi desenvolvida no hospital a partir de 2019 e utiliza um equipamento de videogame com sensores capazes de captar o movimento dos pacientes.
Durante a sessão, o paciente precisa realizar determinados gestos para pontuar nos jogos, e estes movimentos realizados acabam por estimular funções motoras e cognitivas comprometidas pelo AVC.
Anjos do Sertão: Núbia Gonçalves fez reabilitação com uso de videogame após ter AVC
Antes de passar pelo tratamento, a aposentada de 75 anos nunca havia jogado em um videogame. “Facilitou muito. Eles [fisioterapeutas] ficam explicando. Eles não saem de perto da gente, explicam tudo. Ajudou bastante, hoje me sinto outra pessoa”, disse.
Após pouco mais de uma semana no hospital, Núbia recebeu alta sob a condição de voltar ao HRSC mensalmente por um período de seis meses para realização de exames, até ser completamente liberada em agosto de 2023.
A perna esquerda, na qual sentiu a dormência inicial, “não tem mais aquela força que tinha”, nas palavras da aposentada. Mas, fora isso, ela não ficou com outras sequelas.
Apesar disso, a doença inspirou novos cuidados e uma alimentação melhor. Hidroginástica, fisioterapia e sessões com fonoaudióloga foram integradas à sua rotina. A caminhada também passou a fazer parte do dia a dia.
“Às vezes, a gente acaba não dando tanta atenção necessária a isso. Aí, quando você vivencia, de fato, toda a situação, aí você procura ter mais qualidade de vida”, avalia Marcus Gonçalves, filho de Núbia.
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