Gestão Nunes muda disposição de táxis no Aeroporto de Congonhas sem consulta pública, e motoristas que atuam no local há décadas protestam


Novas normas redesenham atuação de taxistas na área e abrem espaço para nova empresa de radiotáxi credenciada sem concorrência ou chamamento público atuar na região. Companhia foi criada em endereço-fantasma e vai operar sozinha na parte inferior do aeroporto. Taxistas fizeram ato contra atuação da nova empresa. Taxistas que atuam no Aeroporto de Congonhas fazem protesto nesta sexta-feira (27) no terminal.
Abraão Cruz/TV Globo
A decisão da Prefeitura de São Paulo de abrir mais um ponto de radiotáxi nos arredores do Aeroporto de Congonhas, Zona Sul da capital, virou motivo de “batalha” entre a Secretaria Municipal de Transportes (SMT) e as associações de taxistas que já atuam no local.
A medida contraria parecer preliminar da Aena, concessionária responsável pela gestão de Congonnhas, e dos técnicos do Departamento de Transportes Públicos (DTP).
Nestas quinta (26) e sexta-feira (27), o Diário Oficial da cidade trouxe três portarias que redesenham – sem consulta pública entre quem trabalha no aeroporto – uma nova disposição manda as empresas e os taxistas que trabalham no local há quase 50 anos para o andar de cima, e deixa a novata Mobicom-SP no cobiçado andar inferior do terminal.
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A portaria publicada às pressas, no meio de um feriado de fim de ano, pela Secretaria de Transportes – cujo secretário Gilmar Miranda está de mudança da pasta – abre espaço para que uma empresa que foi credenciada sem chamamento público possa ocupar o espaço inferior do aeroporto sozinha, deixando quem trabalha lá irritados com a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
“Nós estamos indignados. Essa mudança feita sem nos chamar oficialmente para opinar é muito estranha. Reorganizaram um sistema que funcionava há décadas no local para abrir espaço para uma empresa que ninguém sabe de onde vem e a que interesses serve. O que nos incomoda é que a Prefeitura de SP está sendo alertada, mas mata no peito as irregularidades, passando por cima de pareceres, e nada é feito”, diz o presidente do ponto 606 de táxi-comum, Marcelo Ultramari.
O ponto 606 funcionava na parte inferior de Congonhas desde 1981. Nesses 43 anos, a empresa ganhou um balcão de negociação de viagens com preços prefixados para os passageiros, que operava dentro do aeroporto, também no piso inferior.
A pedido da Aena, o ponto foi transferido para a parte de cima no ano passado junto com todos os outros, com a promessa de que voltaria a funcionar no piso inferior, onde sempre esteve nas últimas décadas, a partir de 2025, com algumas vagas remanescentes.
Mas a nova reorganização publicada pela Secretaria de Transportes afasta oficialmente essa possibilidade e abre o espaço para a Mobicom-SP atuar sozinha no local, apenas com a concorrência no espaço de táxis destinados a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.
Taxistas que atuam no Aeroporto de Congonhas fazem protesto nesta sexta-feira (27) no terminal.
Abraão Cruz/TV Globo
Segundo os taxistas ouvidos pelo g1, a parte debaixo do aeroporto é disputada não apenas pelo ganho individual de taxistas autônomos, que chegam a faturar até R$ 10 mil por mês nas corridas locais. Mas também pela praticidade e pelo hábito dos passageiros de encontrarem taxis no local.
“Em dias de chuva, por exemplo, os passageiros já têm o hábito de descer à procura de taxis e chegam a formar fila no local à espera de um carro, já que a parte debaixo é coberta, e em cima não é”, afirmou o taxista Emerson Mello.
“A nossa preocupação é que esse processo foi feito sem nenhuma transparência e coloca em risco toda a melhoria de mobilidade que foi feita em Congonhas nesse último ano. A Aena nos pediu pra operar só na parte de cima para melhorar o trânsito, fez um bolsão de aplicativos, mas manteve sete vagas na área coberta embaixo que, em dias de chuva, faz muita diferença para os passageiros. Agora, toda essa melhoria está em risco”, disse Moisés Ferreira, diretor da empresa Vermelho e Branco, que completa em janeiro 50 anos de atuação em Congonhas.
Por conta da mudança, os taxistas fizeram um protesto no aeroporto na tarde desta sexta-feira (27), com cartazes, apitos e alvarás nas mãos, cobrando mais transparência da gestão municipal.
Eles criticaram a falta de transparência da STM no credenciamento da nova empresa de radiotáxi e pediram providências do prefeito no assunto. Do contrário, prometem acionar o Ministério Público de São Paulo para investigar o caso (veja mais abaixo).
Credenciamento contestado
Inicialmente, a Aena, que opera o aeroporto desde outubro de 2023, enviou um ofício à STM em 26 de novembro, dizendo que discordava da entrada de nova empresa de radiotáxi no terminal.
No ofício público ao qual o g1 teve acesso, a Aena afirmou que não foi consultada pela pasta sobre a entrada da Mobcom-SP. No documento, a empresa pediu, ainda, que em vez de novas vagas serem criadas, ao menos nove vagas na região fossem extintas.
“As decisões que afetam a distribuição e a gestão das áreas de acesso viário ao aeroporto impactam diretamente a segurança, o fluxo operacional e a mobilidade dentro do complexo aeroportuário, sendo, portanto, imprescindível nossa participação em quaisquer mudanças dessa natureza. Considerando que o referido processo de solicitação de vagas pela Mobcom-SP Rádio Táxi Sistemas e Comunicação Ltda já teve um primeiro deferimento sem a nossa inclusão em consulta. Manifestamos, assim, nossa discordância com a continuidade dessa tramitação”, afirmou o presidente da Aena, Fernando Santiago Yus Saenz de Cenzano, no documento.
“Qualquer decisão sobre a alteração do sistema viário deve ser tomada com a nossa anuência, de modo a garantir a preservação do planejamento de mobilidade e de segurança em nosso aeroporto”, declarou a concessionária.
Parecer da própria área técnica da prefeitura de SP apontava problemas na concessão das novas vagas à Mobicom-SP
Reprodução
Em parecer jurídico dos próprios técnicos da Prefeitura de SP, datado de 19 de agosto, a Procuradoria Municipal argumenta que “a empresa Mobcom-SP não atende às condições necessárias para a concessão do direito de operar vagas para ponto de táxi no Aeroporto Deputado Freitas Nobre [Congonhas]”.
“Emitimos parecer favorável à impugnação apresentada pelas associações e cooperativas, recomendando o indeferimento da solicitação da Mobcom-SP Rádio Táxi Sistemas e Comunicação Ltda. Além das inconsistências documentais e do não cumprimento dos requisitos legais, ressalta-se que o ponto de táxi solicitado pela empresa, para fins de criação e administração, inexiste atualmente no aeroporto”, disse o parecer.
“Tal fato torna a solicitação improcedente, uma vez que não há amparo legal ou regulamentar para a criação de um ponto de táxi que não foi previamente estabelecido pelas autoridades competentes. Essa decisão visa assegurar a conformidade com a legislação vigente, a manutenção da ordem no setor de táxi no município de São Paulo e a garantia de um processo competitivo justo e transparente”, disse o documento.
Porém, após ser procurada pelo g1, a Aena mudou o discurso e disse, que numa reunião em 12 de dezembro com a Secretaria de Transportes, foi acordada a entrada da Mobicom-SP no terminal, além da redistribuição dos pontos de taxis.
“Em busca de melhorias contínuas, a Aena e a SMT realizaram uma reunião no dia 12 de dezembro, na qual foram definidas, em comum acordo, novas iniciativas para organizar o meio-fio e aprimorar os serviços oferecidos”, disse a empresa.
“Entre as medidas destacam-se: aumento da frota de táxis, por meio do credenciamento de uma nova cooperativa e da ampliação das frotas das cooperativas já existentes; redistribuição dos pontos de táxi, incluindo: a desativação de vagas no pavimento inferior ‘A1’; a criação de um novo ponto para a nova cooperativa no pavimento inferior ‘C1’; a ampliação de 5 vagas no pavimento superior; implantação de videomonitoramento para garantir o cumprimento das normas de trânsito e a fluidez do tráfego”, afirmou.
Parecer de novembro do presidente da Aena dizia que empresa era contrária às novas vagas.
Reprodução
Por meio de nota, a gestão Nunes afirmou que as “três portarias que reorganizam as vagas de táxi no piso inferior do Aeroporto de Congonhas atendem a uma demanda solicitada pela concessionária AENA, cujos espaços serão consolidados no piso superior, com a recolocação dos postos da Polícia” (veja a íntegra da nota abaixo).
Segundo o DTP, a nova configuração passará a valer após a implantação da sinalização viária no local.
Endereço-fantasma
Endereço falso da empresa Mobicom-SP no bairro da Aclimação, na Zona Sul de São Paulo, após visita do g1.
Rodrigo Rodrigues/g1
O imbróglio em Congonhas começou em junho deste ano, quando a Secretaria de Transportes iniciou oficialmente o credenciamento da empresa Mobcom-SP Rádio Táxi Sistemas e Comunicação Ltda para atuar em Congonhas, garantindo à companhia recém-criada um ponto que não existia com 15 vagas.
O credenciamento dá à empresa o direito de registrar entre 150 e 200 novos carros de empresas de radiotáxi da cidade para trabalhar no local, segundo o presidente da empresa, Flávio Mattos Gonçalves.
A Mobcom-SP, no entanto, não funciona nem nunca funcionou no endereço no qual foi registrada inicialmente na Junta Comercial e nos documentos que foram protocolados no início do processo de credenciamento na Secretaria de Transportes.
A empresa se chamava MobCom Sistemas de Comunicação Sociedade Unipessoal LTDA. Foi aberta em março de 2022 com o nome de MobCom Sistemas de Comunicação Sociedade Unipessoal Ltda, sem nenhuma relação com o serviço de radiotáxi.
Na época, a microempresa tinha sede num endereço residencial na Lapa, Zona Oeste da capital. Só em 22 de julho deste ano – quando o processo de credenciamento da empresa na Secretaria de Transportes já havia começado – é que a empresa foi registrada na Junta Comercial com um novo nome.
A companhia passou a se chamar Mobicom-SP Radio Táxi e admitiu Flávio Mattos Gonçalves como novo sócio ao lado de Elisabete de Fátima Ferreira, antiga sócia.
O endereço novo da empresa passou a ser uma casa na Rua Paes de Andrade, na Aclimação, Zona Sul.
O empresário Flávio Mattos Gonçalves, dono da Mobicom-SP, e o requerimento feito a mão pedindo as vagas em Congonhas.
Reprodução/TV Globo
O g1 visitou o local, mas dois funcionários que trabalhavam no endereço disseram que não sabiam quem são os sócios da Mobicom-SP e que a empresa nunca funcionou naquele endereço.
Os empregados, entretanto, não souberam informar que tipo de companhia funcionava no local e só pediram o telefone do repórter para que o dono pudesse entrar em contato.
Minutos depois que o g1 deixou o local, Flávio Mattos ligou dizendo que se tratava de um engano e que a Mobicom-SP sempre atendeu num terceiro endereço, na Praça da Sé.
Nos registros da Junta Comercial, entretanto, a empresa de radiotáxi só passou a operar na Praça da Sé a partir de 18 de dezembro deste ano.
Em 16 de agosto, três associações de motoristas de táxi de Congonhas denunciaram ao diretor do Departamento de Transportes Públicos (DTP) as suspeitas de um suposto endereço-fantasma da empresa.
Eles pediram a impugnação do processo, que foi negado pela Secretaria de Transportes, que continuou com o credenciamento mesmo assim.
Pareceres contra o credenciamento
O g1 também teve acesso a três pareceres em que os técnicos da prefeitura dizem não haver motivo para a criação de novas vagas em Congonhas.
No primeiro deles, de 19 de agosto de 2024, o assistente jurídico Rafael Dutra Pires afirma que, após a análise dos argumentos apresentados pelos interessados e considerando as falhas significativas na documentação e nos requisitos legais apresentados pela Mobcom-SP, “conclui-se que a empresa não atende às condições necessárias para a concessão do direito de operar vagas para ponto de táxi no Aeroporto Deputado Freitas Nobre”.
“Emitimos parecer favorável à impugnação apresentada pelas associações e cooperativas, recomendando o indeferimento da solicitação da Mobcom-SP Rádio Táxi Sistemas e Comunicação Ltda. Além das inconsistências documentais e do não cumprimento dos requisitos legais, ressalta-se que o ponto de táxi solicitado pela empresa, para fins de criação e administração, inexiste atualmente no Aeroporto Deputado Freitas Nobre. Tal fato torna a solicitação improcedente, uma vez que não há amparo legal ou regulamentar para a criação de um ponto de táxi que não foi previamente estabelecido pelas autoridades competentes”, disse.
Em 20 de setembro, o diretor Roberto Cimatti, do DTP, também havia publicado um documento negando o credenciamento da empresa.
A Mobicom-SP recorreu da decisão e, em 9 de outubro, o chefe da SMT, João Batista da Silva, emitiu novo parecer dizendo que não recomendava o credenciamento e a criação das novas vagas.
O que disse a Mobicom-SP
Procurado pelo g1, o empresário Flávio Mattos Gonçalves disse, por meio de nota, que “jamais ocupou, ou ocupa, qualquer endereço caracterizado como ‘fantasma’”.
“A mudança de endereço da empresa decorreu de um procedimento regular e transparente. Em julho de 2024, a empresa foi adquirida por meio de uma operação comercial legítima realizada pelo Sr. Flávio Mattos Gonçalves junto à antiga proprietária, Sra. Elisabete de Fátima Ferreira. À época, a sede da empresa estava localizada no endereço residencial da sócia anterior, sendo posteriormente transferida para um local mais adequado às atividades empresariais”, disse.
“É importante destacar que o credenciamento da Mobcom para operar no Aeroporto de Congonhas foi conduzido com total observância às leis e regulamentos vigentes no município de São Paulo. O processo respeitou as diretrizes da Lei da Liberdade Econômica e da Lei de Defesa da Concorrência, proporcionando aos usuários de táxi uma nova alternativa de serviço e rompendo um cenário de monopólio que existia no referido aeroporto”, afirmou.
Segundo a Mobicom-SP, a legislação municipal atualmente “não exige licitação para a liberação de pontos no Aeroporto de Congonhas”.
“Caso houvesse tal exigência, a Mobcom estaria plenamente habilitada e disposta a participar de um eventual certame com quaisquer outras empresas interessadas”, afirmou o empresário.
O que diz o DTP
O Departamento de Transportes Públicos (DTP), por sua vez, disse que “após cumpridos todos os trâmites obrigatórios, inclusive com publicação da solicitação no Diário Oficial e analisadas todas as manifestações enviadas, o pedido foi deferido em novembro”, autorizando a empresa a atuar em Congonhas.
“Agora a Mobcom deverá providenciar espaço físico para implantação do ponto livre pelo qual a associação será responsável, sem prejuízo às vagas de táxi já existentes no piso superior ou à Zona de Embarque de Aplicativo (ZEA)”.
Reações dos taxistas
Taxistas que atuam no Aeroporto de Congonhas fazem protesto nesta sexta-feira (27) no terminal.
Abraão Cruz/TV Globo
Os taxistas que fizeram o protesto nesta sexta em Congonhas querem que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) barre a entrada da Mobicom-SP no local.
“Antes das eleições, a prefeitura sorteou 25 alvarás no aeroporto. Todos os taxistas autônomos da cidade puderam concorrer. A disputa foi maior que a relação de candidato vaga da Fuvest. Se houvesse necessidade de ampliar o número de táxis aqui, a prefeitura deveria ter feito o mesmo. Porque todas as categorias de táxis que existem na cidade já operam aqui há anos. Esse processo está obscuro. E como tem uma empresa do nada operando ele, a primeira hipótese que vem é que alguém está lucrando nesse processo. Mas quem é? O prefeito sabe disso? São perguntas que o Ministério Público precisa nos ajudar a responder”, disse Flávio Santos, diretor do ponto 606.
O g1 procurou o vereador Adilson Amadeu (União Brasil), que representa os taxistas da cidade na Câmara Municipal. Ele também se disse contrário à mudança e afirmou que vai acionar o Ministério Público se não houver transparência no redesenho do aeroporto.
“Mandei dois ofícios para a Secretaria de Transportes alertando sobre os problemas nesse credenciamento. Congonhas já está saturada de táxi e, por ora, até que as obras de ampliação da Aena saiam do papel, ninguém vê motivo para ter mais categoria de táxi no local. Os radiotáxis já são representados no local, não havia necessidade de uma nova empresa da categoria com tantas vagas. Se isso fosse necessário, o processo seria abrir consulta pública e debate na secretaria ou na Câmara. Do jeito que está, tem algo muito errado. O prefeito precisa saber o que está acontecendo e, se necessário for, irei ao Ministério Público para pedir investigação”, afirmou Amadeu.
O g1 voltou a procurar a gestão Nunes para comentar o protesto, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
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