Mulher com câncer de mama encontra na pintura uma maneira de enfrentar a doença e monta 1ª exposição em Sorocaba: ‘Mudou tudo’


Tina Lima, de 43 anos, foi diagnosticada com câncer de mama triplo negativo em 2020 e recebeu a notícia de que teria menos de seis meses da vida. Para enfrentar a doença, a sorocabana começou a desenhar e pintar telas e se descobriu artista. Tina Lima, de 43 anos, é de Sorocaba (SP)
Arquivo Pessoal
Receber um diagnóstico de câncer não é fácil em nenhuma etapa da vida, mas descobrir que está com uma doença incurável, em estágio avançado, próximo de completar 40 anos e com um filho recém saído da adolescência, pode ser paralisante.
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“Em 2019 eu desconfiei que eu tinha um tumor porque estava com o nódulo. Mas o resultado não deu nada, então, vida que segue. Aí em 2020, quando realmente fui diagnosticada, eu já estava com várias metástases. Tinha metástase no pulmão, pleura, tórax, cinco lesões no encéfalo”,
Esse é o começo da trajetória da sorocabana Tina Lima, de 43 anos, que há cerca de quatro anos foi diagnosticada com câncer de mama. Na época, ela chegou a ouvir de uma médica que viveria de três a seis meses.
“É um câncer mama triplo negativo, que geralmente atinge pessoas na faixa etária dos 40 anos. E quando a pessoa recebe o diagnóstico, a doença já está bem agressiva; Não tem cura, sou considerada uma paciente paliativa”, relata Tina.
Os primeiros eismeses se passaram, Tina continuava viva e enfrentava os efeitos da quimioterapia e da radioterapia e uma mudança radical no estilo de vida.
“Eu era muito ativa. Viajava muito a trabalho, lia mais de cem livros por ano. Por causa da quimioterapia, eu fiquei vulnerável, precisava de ajuda para quase tudo. Aí comecei a radioterapia e descobri que meu cognitivo ia piorar um pouquinho, tipo assim, eu ia ser “menos inteligente”. Acabei que não conseguia mais ler nada. Nada me fazia sair daquele aquela tristeza profunda, aquele tédio de estar parada.”
Nesse processo de descobertas, Tina um dia publicou nas redes sociais uma frase da personagem Mafalda, que diz: “Para onde vão os sentimentos quando deixamos de dizer o que sentimos?”. E desenhou uma flor ao lado da frase.
“Depois disso, começaram a me pedir alguns desenhos, colocar uma frase e o nome de alguém ao lado do desenho, coisas assim.”
Primeiro desenho feito por Tina traz frase da personagem Mafalda
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Embora este não tenha sido o 1º contato de Tina com a arte, havia décadas desde que a mulher tinha se envolvido com o seu lado artístico pela última vez.
“Quando eu tinha oito anos, a minha mãe me levou pra biblioteca. Lá eu desenhava, eu fiz desenho artístico publicitário, então tinha uma base. Mas a vida aconteceu e eu corri para outros lados. Tinha esquecido que eu tinha feito alguma coisa de arte durante a vida.”
Em 2021, Tina passou a estudar lettering, que é a arte de desenhar letras. A artista estudou pela internet e decidiu investir na compra de materiais para pintar telas. Ela também criou um perfil profissional para divulgar os trabalho.
Quadros criados por Tina usando a técnica de lettering
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O despertar de um sonho
“No meio do ano passado, eu entrei numa galeria de arte em São José dos Campos. Foi minha primeira em uma galeria na vida. Achei lindo. Perguntei pra um atendente ‘como eu faço para expor assim?’ E ele questionou se eu já pintava, se eu era artista. Eu disse que só fazia alguns quadrinhos para amigos e familiares, mas que tinha esse sonho de expor. Ele disse que era pra eu enviar alguns trabalhos para ele que ele tentaria expor em alguma outra galeria, porque naquela era mais difícil por ser de renome”, relembra.
Mas “difícil” é uma palavra que se tornou sinônimo de “possível” para Tina. Ela conseguiu um espaço para divulgar um de seus quadros na galeria que trouxe à tona o desejo de expor. Depois da primeira exposição, se tornou mais confiante e quis tentar alcançar voos ainda mais altos.
“Eu estava na biblioteca de Sorocaba, onde eu ia muito na minha infância, vi os trabalhos de uma artista e pensei ‘acho que eu também consigo montar uma exposição’. Queria muito expor na cidade onde nasci.”
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Exposição Tempos
E foi seguindo essa linha do tempo que a artista conseguiu montar a exposição “Tempos”, no começo de junho deste ano, na Biblioteca Municipal de Sorocaba. A princípio, o trabalho ficaria exposto por um mês, mas Tina recebeu o convite para manter os 18 quadros por mais algumas semanas.
“O nome da exposição é Tempos porque as artes vão de acordo com as minhas emoções. Elas acompanham os meus tempos, os meus períodos de tudo o que eu estou passando. Por exemplo, outro dia eu descobri que a química que estou tomando não está fazendo efeito. E aí eu fiquei super para baixo, deu vontade de chorar, de gritar. Só que aí eu comecei a pintar e quando eu pinto, a minha mente extravasa um pouco, eu deixo de ficar pensando nesses problemas.” relata.
Telas de Tina que fazem parte da exposição “Tempos”, montada na Biblioteca Municipal “Jorge Guilherme Senger”, que fica na Rua Ministro Coqueijo Costa, 180, no Alto da Boa Vista, em Sorocaba (SP)
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Apoio essencial
Especialistas dizem que ter uma rede de apoio é essencial para enfrentar um câncer. Tina ressalta que além do incentivo dos profissionais e artistas que atuam na biblioteca, o carinho, apoio e dedicação da família e dos amigos tem feito toda a diferença.
“Sempre moramos eu e meu filho, André, que hoje tem 22 anos. No começo foi muito difícil pra gente, ele nunca gostou de tocar nessa história de câncer e tratamento. Mas a arte também nos aproximou. Ele opina, fala o que gostou, o que não gostou. Sinto muita gratidão pela minha rede de apoio, meu pai que me ajuda na compra dos materiais de pintura, minha mãe que me levava para desenhar na biblioteca. Meus amigos do trabalho que foram na minha exposição, que compram meus quadros”,
À esquerda, Tina ao lado do pai, Francisco Lima. À direita, Tina com os amigos da empresa onde trabalha.
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À esquerda, Tina ao lado da mãe, Ondina. À direita, a artista junto com o filho André
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‘Mudou tudo’
A sorocabana conta que após o diagnóstico de câncer outros problemas de saúde surgiram: “Um cisto no joelho, um tumor no outro, osteonecrose nos dois fêmures. Eu gostava muito de acampar, meu sonho era fazer saltar de bungee jump e não posso mais por causa da questão dos ossos.”
Mais do que expressar os sentimentos em telas, com cores e formas, a arte também permite que Tina “esqueça” os problemas físicos e o medo do desconhecido.
“Nos dias que eu estava muito triste, que eu não conseguia fazer nada além de ver televisão, eu vivia com a cabeça cheia de dúvidas. Agora, quando eu não consigo pintar, eu estudo alguma coisa sobre arte. Eu não fico pensando na doença, ‘será que tá crescendo, será que o tratamento tá funcionando?’. Lógico que eu tenho momentos difíceis, não é lindo e belo viver com essa doença, mas a arte mudou tudo. Quando surgiu a ideia de expor, eu fiquei um mês inteiro só pensando nisso, nem lembrei do câncer. Me senti viva de novo, sabe?,”
Artistas Alexandre e Vithor, que auxiliaram Tina à montar a exposição “Tempos” na Biblioteca Municipal de Sorocaba (SP)
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Fé no futuro
Tina deseja estender para outras pessoas a sensação de preenchimento que a arte trouxe para a vida dela. Para o futuro, a artista pensa em ensinar desenho para idosos e crianças e montar uma exposição com texturas para deficientes visuais.
“Eu comecei a fazer uma pós-graduação em arteterapia, pois quero passar esse conhecimento pra frente para grupos de pessoas vulneráveis. Eu tenho muitos planos para o futuro e fé em Deus que vou chegar lá, que vou viver para realizar meus sonhos”, afirma Tina.
A exposição “Tempos” pode ser conferida de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, até o dia 31 de julho, na Biblioteca Municipal “Jorge Guilherme Senger”, que fica na Rua Ministro Coqueijo Costa, 180, no Alto da Boa Vista, em Sorocaba.
Tina sonha em dar aulas de desenho e montar mais exposições pelo Brasil
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