O pleito ocorre antecipadamente, depois da queda do primeiro-ministro, Luís Montenegro, motivada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de propriedade de sua família, o que provocou acusações de conflito de interesse.
Pela terceira vez em três anos, Portugal se prepara para ir novamente às urnas nas eleições legislativas, que acontecem no próximo domingo (18/5).
O pleito ocorre antecipadamente, depois da queda do primeiro-ministro, Luís Montenegro, motivada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de propriedade de sua família, o que provocou acusações de conflito de interesse.
A polêmica, que culminou com a queda da Alternativa Democrática, uma coalizão formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS) começou em fevereiro, quando o caso se tornou público.
A imprensa portuguesa noticiou que o primeiro-ministro tinha uma empresa de consultoria empresarial, viticultura, seguros e negócios imobiliários. A Spinumviva foi fundada por Montenegro e sua família em 2021, quando ele não ocupava nenhum cargo político.
Em junho de 2022, após ser eleito presidente do PSD, Montenegro vendeu suas ações na empresa à sua mulher e aos seus dois filhos. Com esta transação, Montenegro pretendia evitar um potencial conflito de interesses. No entanto, segundo o Código Civil português, a transação seria nula, já que Montenegro é casado em regime de comunhão de bens e, por isso, o que pertence à esposa também pertence a ele.
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Um dos principais clientes da empresa é a Solverde, um grupo hoteleiro e de casinos que paga à Spinumviva uma mensalidade de 4.500 euros (R$ 28.607), para o qual Montenegro trabalhou como advogado antes de ser eleito presidente do PSD. Trata-se de um grupo empresarial cuja concessão de quatro casinos – que tem de ser atribuída pelo Governo – termina no fim de 2025.
O semanário português Expresso revelou ainda que todos os outros clientes da Spinumviva foram conseguidos por Montenegro. A sede da empresa era a casa do primeiro-ministro, e o contato era o celular pessoal dele.
A oposição exigiu explicações, que foram dadas de forma muito superficial, e o cerco em torno dos bens e negócios do primeiro-ministro se apertou.
O Ministério Público abriu uma investigação preventiva contra a empresa de Montenegro. No âmbito político, o partido da direita radical, Chega (CH), e o Partido Comunista (PC) apresentaram duas moções de censura no parlamento, que foram rejeitadas. Já o Partido Socialista (PS) exigiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigasse o caso no Parlamento.
Montenegro se negou a abrir a CPI e apresentou uma moção de confiança, apesar dos avisos do Partido Socialista de que não votaria a favor. O desfecho esperado ocorreu em 11 de março: a moção de confiança não foi aprovada e o governo caiu, forçando o país a convocar eleições antecipadas.
“Essas eleições foram provocadas por um problema pessoal do primeiro-ministro”, diz o cientista político António Costa Pinto.
“Luís Montenegro provocou essas eleições com uma moção de confiança que se sabia, de cara, que seria rejeitada por uma questão de sobrevivência política, para evitar uma comissão de inquérito e um grave problema político para o primeiro-ministro.”
Três anos, três eleições
Num país acostumado com governos estáveis, Portugal atravessa agora um período conturbado com três eleições legislativas em três anos e uma sucessão de governos que não conseguiram levar seu mandato até ao fim.
Tudo começou em janeiro de 2022, após o socialista António Costa ter visto os seus parceiros de Governo rejeitarem seu orçamento de Estado. As eleições que se seguiram deram a Costa uma maioria absoluta rara hoje em dia.
E quando todos se preparavam para quatro anos de estabilidade, o socialista acabaria por se demitir dois anos depois, ao se ver envolvido num suposto caso de corrupção e tráfico de influências na concessão de projetos energéticos no país, no qual António Costa nunca chegou a ser formalmente acusado.
No dia 7 de novembro de 2023, o Ministério Público anunciou que investigaria o primeiro-ministro, e António Costa demorou poucas horas para anunciar sua decisão.
“As funções de primeiro-ministro não são compatíveis com a suspeita de qualquer ato criminal”, disse Costa. “Obviamente, apresentei minha demissão ao senhor presidente da República”.
Atualmente, o caso continua a se arrastar pelos tribunais acumulando vários erros, dentre eles a confusão em escutas telefônicas entre o nome do primeiro-ministro (António Costa) e o nome do ministro da economia (António Costa Silva) e sem que o envolvimento do primeiro-ministro tenha sido demonstrado.
António Costa, que sempre negou ter cometido qualquer ato ilícito, prestou depoimento espontaneamente no tribunal, respondendo a todas as questões e saindo sem qualquer acusação, ainda que também não tenha sido formalmente acusado. Na sequência, sem nenhuma implicação na Justiça, o socialista assumiu a presidência do Conselho Europeu.
O caso que envolveu Costa levou o país às segundas eleições antecipadas, em março de 2024, nas quais Luís Montenegro, da Alternativa Democrática (AD), sairia vencedor. As urnas apontaram uma pequena diferença de 1% entre os votos da AD e do Partido Social Democrata (PSD) e o governo de centro-direita começou um mandato numa situação de minoria parlamentar.
“Com essas eleições, Montenegro tenta resolver dois problemas: por um lado se legitimar novamente em termos eleitorais e, a partir daí, assegurar a sua sobrevivência política e aumentar um pouco a diferença para o Partido Socialista”, explica o professor. “Ele já tinha dito que mesmo que sofresse alguma investida do sistema judicial, não se demitia, e se ganhar as eleições ganha legitimidade eleitoral”.
Pesquisas
As pesquisas dão vantagem à AD, e mostram ainda uma coisa importante: o bloco formado pelos partidos de esquerda continuará, muito provavelmente, sendo minoria no Parlamento, o que fará com que o governo precise da centro-direita.
Às vésperas das eleições, a pesquisa Pitagórica para o Jornal de Noticias, Radio TSF e Televisão TVI/CNN dava à AD 31,5% dos votos, contra 26,5% do PS. Os resultados demonstram que o caso que envolveu o primeiro-ministro não parece afetar a intenção de voto dos portugueses.
“Há muitos estudos que nos dizem que as pessoas reprovam os desvios éticos por parte dos políticos, como é normal, mas depois, isso não tem grande impacto no voto porque os eleitores avaliam os casos de acordo com a afinidade que têm com o partido: os eleitores desse partido tendem a adotar uma posição de defesa da formação”, explica o cientista político Hugo Ferrinho.
“Luís Montenegro pegou a oposição de surpresa, que não desejava essas eleições, e criou uma estratégia na qual o governo influencia a ida às urnas, colocando todos os seus ministros como candidatos nos diversos círculos eleitorais e aproveitando o pouco desgaste de um governo que está no poder há apenas um ano”, completa Costa Pinto. “Para muitos segmentos do eleitorado, o caso ético de conflito de interesses não parece ser determinante nas atitudes eleitorais. Não existe uma grande punição”.
O PS, com Pedro Nuno Santos de candidato, ocupa o segundo lugar nas pesquisas, com pouca distância, mas com pouca chance de vitória. “O PS tem feito a campanha possível para um partido com um novo secretário-geral, depois de ter estado oito anos no poder, e com um governo que tem apenas um ano de duração, que é uma conjuntura que não favorece o retorno dos socialistas ao poder”, analisa Costa Pinto.
Em terceiro lugar está o partido da direita radical Chega, que mantém mais ou menos o percentual de votos que teve nas eleições passadas, com 18,1% das intenções de voto. O partido de André Ventura teve, na última ida às urnas, um aumento de 12 para 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo. “Nunca vou fazer um acordo político com o Chega. Não, é não”, prometeu Montenegro em campanha. E cumpriu, preferindo governar em minoria.
Segurança e imigração
Ainda assim, o resultado do Chega foi suficiente para influenciar parte do discurso do governo, que se tentou colar ao de alguns candidatos do partido da direita radical em temas como a segurança ou a imigração.
Apesar de Portugal estar no top 10 de países mais seguros do mundo do Global Peace Index, o discurso do primeiro-ministro sobre a segurança no país girou sempre em torno da “necessidade de reforço”.
“Temos uma estratégia de maior policiamento e maior visibilidade. De forma eficiente e eficaz queremos diminuir a criminalidade, sobretudo a violenta”, disse Montenegro durante a campanha.
Meses antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi denominado como uma “operação especial de prevenção criminal”.
No fim, foram apreendidos 4 mil euros, uma faca e um celular. “Não gostei de ver, mas tinha de ser assim”, foi a reação do primeiro-ministro no Parlamento, quando foi confrontado pela oposição.
Já durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, “a maioria será deferida”.
Ainda assim, e apesar da diferença de números, o governo preferiu centrar a comunicação nos 18 mil que vão ter de abandonar o país. “Essa informação confirma que a política de imigração em Portugal passou a ser de imigração regulada, que as regras de imigração são para cumprir e que a sua desobediência tem consequências”, disse Leitão Amaro.
“Em ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso, retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à AD”, explica Ferrinho.
Se a estratégia dará frutos é algo que ainda não é possível saber. “Muitos estudos sugerem que quando a centro-direita assume os temas da direita radical, em questões como nacionalismo, segurança e imigração, muitas vezes as pessoas preferem votar no “original” e não na “cópia”, e o que se verifica é um aumento do voto na direita radical”, continua o cientista político.
Sucessão de escândalos
Do comportamento do potencial eleitorado da direita radical depende, muito em parte, o resultado deste domingo “Parece que estamos diante do início de um processo de estagnação”, diz Ferrinho, “mas os dados que temos não indicam uma grande queda.”
Isso tudo, apesar dos escândalos que envolveram o partido no último ano. O mais grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que “a proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto fundamental da Justiça para o Chega”, e defendia a castração química para quem tivesse relações sexuais com menores.
Outro dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.
Finalmente, José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro. Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime passível de prisão.
Num partido cujo lema é “limpar Portugal”, os três casos caíram como uma bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que “o deputado assumiu a sua culpa”.
Se os três casos parecem não passar a fatura ao partido, na semana passada, os resultados do estudo europeu From provider to precarious: how young men’s economy decline fuels the anti-feminist backlash [De provedor a precário: como o declínio da economia dos homens jovens alimenta a reação antifeminista] parecem reforçar a sua posição, revelando que os rapazes portugueses votam cinco vezes mais na direita radical do que as mulheres jovens. Trata-se do segundo número mais alto da União Europeia.
As razões, aponta o estudo, estão no “declínio em termos de riqueza, emprego, poder de compra e nível de escolaridade e saúde mental” que faz com que os jovens com menos de 25 anos se sintam atraídos pela “visão tradicional da masculinidade” que defendem os movimentos da direita radical.
“O Chega parece estar mais ou menos no mesmo patamar de um ano atrás, por volta dos 18%, 19% dos votos, e isso pode depender também da adesão às urnas”, explica Ferrinho. “Num país com tantas repetições eleitorais, os eleitores podem acusar uma certa fadiga que os leve a uma maior abstenção e isso pode contribuir para uma menor concentração de votos no Chega”, expõe.
Da mesma forma que “o fato de o Chega continuar sem ser um aliado possível para um governo de direita pode fazer com que os eleitores decidam concentrar o voto útil na AD, ou até na Iniciativa Liberal”, partido de direita liberal.
O que parece certo é que, seja qual for o resultado de domingo, Portugal vai voltar a ter um governo minoritário, obrigado a muita negociação para conseguir manter a estabilidade no país.
Fundão, o pequeno município no interior de Portugal salvo pela imigração
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Pela terceira vez em três anos, Portugal se prepara para ir novamente às urnas nas eleições legislativas, que acontecem no próximo domingo (18/5).
O pleito ocorre antecipadamente, depois da queda do primeiro-ministro, Luís Montenegro, motivada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de propriedade de sua família, o que provocou acusações de conflito de interesse.
A polêmica, que culminou com a queda da Alternativa Democrática, uma coalizão formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS) começou em fevereiro, quando o caso se tornou público.
A imprensa portuguesa noticiou que o primeiro-ministro tinha uma empresa de consultoria empresarial, viticultura, seguros e negócios imobiliários. A Spinumviva foi fundada por Montenegro e sua família em 2021, quando ele não ocupava nenhum cargo político.
Em junho de 2022, após ser eleito presidente do PSD, Montenegro vendeu suas ações na empresa à sua mulher e aos seus dois filhos. Com esta transação, Montenegro pretendia evitar um potencial conflito de interesses. No entanto, segundo o Código Civil português, a transação seria nula, já que Montenegro é casado em regime de comunhão de bens e, por isso, o que pertence à esposa também pertence a ele.
Cai premiê de Portugal: o escândalo com cassinos que derrubou Luís Montenegro
Como Itália, Reino Unido e Portugal estão restringindo nacionalidade, cidadania e imigração
Portugal vai notificar milhares de imigrantes, incluindo brasileiros, para que deixem o país
Um dos principais clientes da empresa é a Solverde, um grupo hoteleiro e de casinos que paga à Spinumviva uma mensalidade de 4.500 euros (R$ 28.607), para o qual Montenegro trabalhou como advogado antes de ser eleito presidente do PSD. Trata-se de um grupo empresarial cuja concessão de quatro casinos – que tem de ser atribuída pelo Governo – termina no fim de 2025.
O semanário português Expresso revelou ainda que todos os outros clientes da Spinumviva foram conseguidos por Montenegro. A sede da empresa era a casa do primeiro-ministro, e o contato era o celular pessoal dele.
A oposição exigiu explicações, que foram dadas de forma muito superficial, e o cerco em torno dos bens e negócios do primeiro-ministro se apertou.
O Ministério Público abriu uma investigação preventiva contra a empresa de Montenegro. No âmbito político, o partido da direita radical, Chega (CH), e o Partido Comunista (PC) apresentaram duas moções de censura no parlamento, que foram rejeitadas. Já o Partido Socialista (PS) exigiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigasse o caso no Parlamento.
Montenegro se negou a abrir a CPI e apresentou uma moção de confiança, apesar dos avisos do Partido Socialista de que não votaria a favor. O desfecho esperado ocorreu em 11 de março: a moção de confiança não foi aprovada e o governo caiu, forçando o país a convocar eleições antecipadas.
“Essas eleições foram provocadas por um problema pessoal do primeiro-ministro”, diz o cientista político António Costa Pinto.
“Luís Montenegro provocou essas eleições com uma moção de confiança que se sabia, de cara, que seria rejeitada por uma questão de sobrevivência política, para evitar uma comissão de inquérito e um grave problema político para o primeiro-ministro.”
Três anos, três eleições
Num país acostumado com governos estáveis, Portugal atravessa agora um período conturbado com três eleições legislativas em três anos e uma sucessão de governos que não conseguiram levar seu mandato até ao fim.
Tudo começou em janeiro de 2022, após o socialista António Costa ter visto os seus parceiros de Governo rejeitarem seu orçamento de Estado. As eleições que se seguiram deram a Costa uma maioria absoluta rara hoje em dia.
E quando todos se preparavam para quatro anos de estabilidade, o socialista acabaria por se demitir dois anos depois, ao se ver envolvido num suposto caso de corrupção e tráfico de influências na concessão de projetos energéticos no país, no qual António Costa nunca chegou a ser formalmente acusado.
No dia 7 de novembro de 2023, o Ministério Público anunciou que investigaria o primeiro-ministro, e António Costa demorou poucas horas para anunciar sua decisão.
“As funções de primeiro-ministro não são compatíveis com a suspeita de qualquer ato criminal”, disse Costa. “Obviamente, apresentei minha demissão ao senhor presidente da República”.
Atualmente, o caso continua a se arrastar pelos tribunais acumulando vários erros, dentre eles a confusão em escutas telefônicas entre o nome do primeiro-ministro (António Costa) e o nome do ministro da economia (António Costa Silva) e sem que o envolvimento do primeiro-ministro tenha sido demonstrado.
António Costa, que sempre negou ter cometido qualquer ato ilícito, prestou depoimento espontaneamente no tribunal, respondendo a todas as questões e saindo sem qualquer acusação, ainda que também não tenha sido formalmente acusado. Na sequência, sem nenhuma implicação na Justiça, o socialista assumiu a presidência do Conselho Europeu.
O caso que envolveu Costa levou o país às segundas eleições antecipadas, em março de 2024, nas quais Luís Montenegro, da Alternativa Democrática (AD), sairia vencedor. As urnas apontaram uma pequena diferença de 1% entre os votos da AD e do Partido Social Democrata (PSD) e o governo de centro-direita começou um mandato numa situação de minoria parlamentar.
“Com essas eleições, Montenegro tenta resolver dois problemas: por um lado se legitimar novamente em termos eleitorais e, a partir daí, assegurar a sua sobrevivência política e aumentar um pouco a diferença para o Partido Socialista”, explica o professor. “Ele já tinha dito que mesmo que sofresse alguma investida do sistema judicial, não se demitia, e se ganhar as eleições ganha legitimidade eleitoral”.
Pesquisas
As pesquisas dão vantagem à AD, e mostram ainda uma coisa importante: o bloco formado pelos partidos de esquerda continuará, muito provavelmente, sendo minoria no Parlamento, o que fará com que o governo precise da centro-direita.
Às vésperas das eleições, a pesquisa Pitagórica para o Jornal de Noticias, Radio TSF e Televisão TVI/CNN dava à AD 31,5% dos votos, contra 26,5% do PS. Os resultados demonstram que o caso que envolveu o primeiro-ministro não parece afetar a intenção de voto dos portugueses.
“Há muitos estudos que nos dizem que as pessoas reprovam os desvios éticos por parte dos políticos, como é normal, mas depois, isso não tem grande impacto no voto porque os eleitores avaliam os casos de acordo com a afinidade que têm com o partido: os eleitores desse partido tendem a adotar uma posição de defesa da formação”, explica o cientista político Hugo Ferrinho.
“Luís Montenegro pegou a oposição de surpresa, que não desejava essas eleições, e criou uma estratégia na qual o governo influencia a ida às urnas, colocando todos os seus ministros como candidatos nos diversos círculos eleitorais e aproveitando o pouco desgaste de um governo que está no poder há apenas um ano”, completa Costa Pinto. “Para muitos segmentos do eleitorado, o caso ético de conflito de interesses não parece ser determinante nas atitudes eleitorais. Não existe uma grande punição”.
O PS, com Pedro Nuno Santos de candidato, ocupa o segundo lugar nas pesquisas, com pouca distância, mas com pouca chance de vitória. “O PS tem feito a campanha possível para um partido com um novo secretário-geral, depois de ter estado oito anos no poder, e com um governo que tem apenas um ano de duração, que é uma conjuntura que não favorece o retorno dos socialistas ao poder”, analisa Costa Pinto.
Em terceiro lugar está o partido da direita radical Chega, que mantém mais ou menos o percentual de votos que teve nas eleições passadas, com 18,1% das intenções de voto. O partido de André Ventura teve, na última ida às urnas, um aumento de 12 para 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo. “Nunca vou fazer um acordo político com o Chega. Não, é não”, prometeu Montenegro em campanha. E cumpriu, preferindo governar em minoria.
Segurança e imigração
Ainda assim, o resultado do Chega foi suficiente para influenciar parte do discurso do governo, que se tentou colar ao de alguns candidatos do partido da direita radical em temas como a segurança ou a imigração.
Apesar de Portugal estar no top 10 de países mais seguros do mundo do Global Peace Index, o discurso do primeiro-ministro sobre a segurança no país girou sempre em torno da “necessidade de reforço”.
“Temos uma estratégia de maior policiamento e maior visibilidade. De forma eficiente e eficaz queremos diminuir a criminalidade, sobretudo a violenta”, disse Montenegro durante a campanha.
Meses antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi denominado como uma “operação especial de prevenção criminal”.
No fim, foram apreendidos 4 mil euros, uma faca e um celular. “Não gostei de ver, mas tinha de ser assim”, foi a reação do primeiro-ministro no Parlamento, quando foi confrontado pela oposição.
Já durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, “a maioria será deferida”.
Ainda assim, e apesar da diferença de números, o governo preferiu centrar a comunicação nos 18 mil que vão ter de abandonar o país. “Essa informação confirma que a política de imigração em Portugal passou a ser de imigração regulada, que as regras de imigração são para cumprir e que a sua desobediência tem consequências”, disse Leitão Amaro.
“Em ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso, retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à AD”, explica Ferrinho.
Se a estratégia dará frutos é algo que ainda não é possível saber. “Muitos estudos sugerem que quando a centro-direita assume os temas da direita radical, em questões como nacionalismo, segurança e imigração, muitas vezes as pessoas preferem votar no “original” e não na “cópia”, e o que se verifica é um aumento do voto na direita radical”, continua o cientista político.
Sucessão de escândalos
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Isso tudo, apesar dos escândalos que envolveram o partido no último ano. O mais grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que “a proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto fundamental da Justiça para o Chega”, e defendia a castração química para quem tivesse relações sexuais com menores.
Outro dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.
Finalmente, José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro. Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime passível de prisão.
Num partido cujo lema é “limpar Portugal”, os três casos caíram como uma bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que “o deputado assumiu a sua culpa”.
Se os três casos parecem não passar a fatura ao partido, na semana passada, os resultados do estudo europeu From provider to precarious: how young men’s economy decline fuels the anti-feminist backlash [De provedor a precário: como o declínio da economia dos homens jovens alimenta a reação antifeminista] parecem reforçar a sua posição, revelando que os rapazes portugueses votam cinco vezes mais na direita radical do que as mulheres jovens. Trata-se do segundo número mais alto da União Europeia.
As razões, aponta o estudo, estão no “declínio em termos de riqueza, emprego, poder de compra e nível de escolaridade e saúde mental” que faz com que os jovens com menos de 25 anos se sintam atraídos pela “visão tradicional da masculinidade” que defendem os movimentos da direita radical.
“O Chega parece estar mais ou menos no mesmo patamar de um ano atrás, por volta dos 18%, 19% dos votos, e isso pode depender também da adesão às urnas”, explica Ferrinho. “Num país com tantas repetições eleitorais, os eleitores podem acusar uma certa fadiga que os leve a uma maior abstenção e isso pode contribuir para uma menor concentração de votos no Chega”, expõe.
Da mesma forma que “o fato de o Chega continuar sem ser um aliado possível para um governo de direita pode fazer com que os eleitores decidam concentrar o voto útil na AD, ou até na Iniciativa Liberal”, partido de direita liberal.
O que parece certo é que, seja qual for o resultado de domingo, Portugal vai voltar a ter um governo minoritário, obrigado a muita negociação para conseguir manter a estabilidade no país.
Fundão, o pequeno município no interior de Portugal salvo pela imigração
Como Itália, Reino Unido e Portugal estão restringindo nacionalidade, cidadania e imigração
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