O lançamento da série dinamarquesa A Reserva, na Netflix, apresentou ao público brasileiro um retrato denso das relações entre imigrantes e elite europeia sob a ótica de um suspense policial. Ambientada na costa norte da Dinamarca, a produção se desenvolve a partir do desaparecimento de Ruby, uma au pair filipina hospedada na casa de um casal de classe alta.
Pontos Principais:
- A série mostra o desaparecimento de Ruby e sua ligação com uma rede de abusos.
- Um vídeo revela Oscar como agressor e exames apontam conexão com gravidez.
- Katarina admite ter matado Ruby, mas não sofre punições formais pelo crime.
- A narrativa termina sem justiça e revela o funcionamento de um sistema que protege os poderosos.
A partir desse evento inicial, o roteiro conduz o espectador por um processo de revelações envolvendo estruturas familiares, investigações paralelas e encobrimentos sistemáticos. O ponto de vista é deslocado para personagens que, à margem das decisões institucionais, tentam compreender o que de fato ocorreu e quais forças impedem que a verdade venha à tona.

A criadora da série, Ingeborg Topsøe, propõe um experimento de narrativa em que o crime é menos importante do que a rede de proteção que se forma em torno dele. A estética da série reforça esse contraste, explorando os ambientes luxuosos em paralelo às pressões vividas pelas trabalhadoras estrangeiras.
Contexto social e estrutura narrativa
A série destaca uma estrutura social marcada por desigualdades veladas. A personagem Cecilie, vizinha da casa onde Ruby desaparece, passa a investigar por conta própria, acompanhada de Angel, também filipina e au pair. O envolvimento direto das duas permite que o público acesse informações que escapam às autoridades, revelando uma sucessão de decisões morais complexas.
A investigação oficial, liderada pela policial Aicha, encontra barreiras institucionais que dificultam o avanço do caso. Enquanto isso, vídeos, exames e relatos vão revelando que Oscar, filho de uma família vizinha, teve envolvimento direto com a vítima. A partir desse ponto, a série passa a observar a mobilização de pais e vizinhos para proteger Oscar da responsabilização.
O discurso público se distancia dos fatos. Katarina, mãe de Oscar, questiona a credibilidade de Ruby. Mike, marido de Cecilie, propõe reverter juridicamente a acusação. A distorção do ocorrido ganha força com a omissão de provas e a intimidação de testemunhas. A série retrata essas ações sem julgamento, permitindo que o espectador compreenda o impacto das escolhas feitas.
Desdobramentos da investigação paralela
O vídeo publicado por Viggo, filho de Cecilie, mostra Oscar em situação abusiva com Ruby. A descoberta do DNA fetal no corpo da jovem indica compatibilidade com Rasmus, pai de Oscar. Mesmo diante desses dados, a decisão familiar é pela manutenção da imagem e da normalidade. Katarina chega a sugerir que Ruby teria seduzido seu filho, atribuindo à vítima a responsabilidade pelo abuso.
A demissão de Angel, por Cecilie, marca uma mudança de direção na narrativa. A decisão pode ser interpretada como uma tentativa de preservar a estrutura familiar, ao mesmo tempo em que reforça o ciclo de silenciamento. Cecilie, que buscava respostas, acaba contribuindo para que o caso seja abafado. Sua posição revela o limite entre indignação pessoal e comprometimento real com a justiça.
A confissão de Katarina a Cecilie confirma que Ruby não se suicidou, mas foi assassinada. O crime é atribuído à própria mãe de Oscar, que age para impedir uma denúncia formal. A revelação não é seguida de consequências jurídicas, apenas de rejeição social por parte da comunidade filipina. Katarina é expulsa da igreja no velório da vítima, mas permanece livre.
Crítica à impunidade institucional
O enredo mostra como decisões privadas moldam o destino público dos envolvidos. A série opta por um final sem resolução judicial. Oscar segue protegido. Rasmus se concentra em salvar seus negócios. Katarina busca manter as aparências. Cecilie, por sua vez, reconhece que contribuiu para que Ruby não fosse ouvida a tempo.
O fracasso da investigação formal é contrastado com o esforço de personagens que tentaram agir fora dos canais tradicionais. Angel, Ruby e Cecilie são deslocadas de seus lugares ao longo da trama. Nenhuma delas alcança reparação. A ausência de desfecho jurídico evidencia o foco da obra: as estruturas de poder que neutralizam a responsabilização de quem ocupa posições privilegiadas.
A detetive Aicha representa a tentativa frustrada de justiça institucional. Seu papel se torna simbólico diante da imobilidade do sistema. O espectador acompanha a frustração crescente da personagem, que precisa lidar com limites impostos pela hierarquia policial e pela influência dos envolvidos.
Representações e personagens centrais
O elenco traz nomes relevantes do cinema nórdico contemporâneo. Marie Bach Hansen interpreta Cecilie, enquanto Danica Curcic assume o papel de Aicha. Simon Sears e Lars Ranthe compõem o núcleo da família vizinha, ao lado de Sara Fanta Traore, Excel Busano e Donna Levkovski, que interpretam as au pairs.
As interações entre esses personagens são marcadas por tensão crescente. O roteiro evita maniqueísmos e apresenta múltiplas camadas de ambiguidade. A série trabalha com silêncios, olhares e hesitações para construir suas tensões. A ausência de cenas explícitas é compensada por diálogos sutis e contextos carregados de significados.
A estética visual é outro componente importante. As paisagens costeiras, a arquitetura das mansões e a organização dos ambientes domésticos são usadas para reforçar a ideia de fachada. Por trás das aparências estáticas, a trama revela uma dinâmica de controle e submissão sustentada por convenções sociais e interesses pessoais.
Repercussão e debate público
Desde sua estreia, A Reserva tem gerado discussões sobre imigração, violência de gênero e impunidade. A série atraiu atenção ao retratar temas frequentemente invisibilizados na dramaturgia europeia. O destaque para personagens filipinas em contexto de vulnerabilidade contribui para ampliar o debate sobre trabalho doméstico e relações desiguais.
A escolha por um desfecho sem punição explícita gera reações diversas. Parte do público considera a narrativa fiel à realidade. Outros apontam a ausência de justiça como um ponto de frustração. Em ambos os casos, a série estimula a reflexão sobre as limitações do sistema de justiça quando confrontado com estruturas sociais hierarquizadas.
O interesse por histórias baseadas em conflitos morais e questões contemporâneas encontra em A Reserva um exemplo que combina ritmo de thriller e densidade temática. A série não se propõe a resolver seus dilemas, mas a expô-los com clareza e sem filtros dramáticos excessivos.
Fonte: Observatoriodocinema, Revistabula e Crusoe.
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