Escândalo de fraudes faz idosa analfabeta descobrir que sofreu descontos do INSS durante 30 anos seguidos

A idosa recebe pensão do INSS desde 1978, após a morte do marido. No início, o valor descontado era de R$ 2 por mês, em 2025, R$ 30,36. No período, os descontos somaram R$ 4.194, em valores não corrigidos. Camarotti: o governo não vai conseguir evitar uma CPI sobre o INSS
Em meio às revelações do esquema de fraudes no INSS, a pensionista Lidia Clarinda de Souza, de 84 anos, moradora de Humaitá, no interior do Amazonas, descobriu que sofreu descontos em seu benefício durante quase 30 anos consecutivos.
Analfabeta, a idosa teve ajuda do neto para checar nesta semana se a pensão dela vinha sofrendo descontos. Ao baixarem os extratos dos benefícios, veio a surpresa: os descontos começaram em maio de 1996 e se estenderam até abril de 2025.
No início, o valor descontado era de R$ 2 por mês. Em 2025, chegou a R$ 30,36. No período, os descontos somaram R$ 4.194, em valores não corrigidos.
A idosa recebe pensão do INSS desde 1978, após a morte do marido. Durante todo o período o benefício foi equivalente a um salário mínimo. Com sete filhos para criar, Lidia passou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais na Prefeitura de Humaitá, emprego que ela
Em 1996, os descontos vinham numa rubrica genérica “consignado”. A partir de 2008, a rubrica muda para “Contrib/Sind Contag”. E permaneceu assim nos anos seguintes.
A Contag é a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, uma entidade que reúne cerca de 4 mil sindicatos rurais. Procurada pela reportagem, a Contag encaminhou um termo de filiação assinado pela aposentada em 1994 autorizando o desconto.
Após a reportagem encaminhar o documento à família, a idosa se lembrou que, naquela época, o prefeito de Humaitá lhe pediu para assinar o documento para ajudar a prefeitura. Ela afirma que nunca soube que aquilo se tratava de uma autorização para os descontos na pensão.
A surpresa da dona Lidia poderia ter sido evitada se o INSS adotasse a revalidação dos descontos, o que nunca aconteceu desde que os descontos foram autorizados em lei, em 1991. Em 2019, o governo federal propôs ao Congresso que a revalidação fosse anual. A lei aprovada, no entanto, estabeleceu a revalidação a cada três anos. O texto foi sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Entre 2019 e 2022, o Congresso aprovou matérias adiando o início da revalidação. Em agosto de 2022, a necessidade de revalidar os descontos foi derrubada depois que um jabuti foi inserido numa medida provisória que tratava de outro assunto.
INSS e Dataprev recusaram revalidação em 2024
A revalidação não foi feita mesmo depois que o Tribunal de Contas da União já havia identificado o esquema de fraudes e já havia feito o alerta ao INSS.
A reportagem teve acesso a um vídeo de uma reunião entre representantes do TCU, da cúpula do INSS e da Dataprev. No encontro, os auditores do TCU apresentam o resultado da auditoria e detalham as várias irregularidades encontradas.
A recomendação do tribunal foi que o INSS revalidasse todos os descontos nas aposentadorias e pensões num prazo 60 dias. Os dirigentes do INSS e da Dataprev argumentaram que o prazo era muito curto e sugeriram transferir para os próprios aposentados a tarefa de checar os documentos autorizando a revalidação.
Na ocasião, o INSS e da Dataprev propuseram o seguinte: que as entidades – inclusive aquelas que estavam comentando fraudes – enviassem ao aplicativo Meu INSS a documentação para comprovar a regularidade nos descontos dos aposentados e, pelo aplicativo, os próprios beneficiários deveriam dizer se reconheciam ou não os documentos e assinaturas.
No fim das contas, nenhuma revalidação foi feita de lá para cá.
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