Dune: o megaprojeto internacional que tenta desvendar a origem do universo – e a participação fundamental do Brasil


Sediado nos EUA, experimento de R$ 20 bilhões tem estrutura grandiosa e quer responder perguntas sobre a formação de buracos negros e o surgimento da matéria. Dune: o megaprojeto internacional que tenta desvendar a origem do universo
Um megaprojeto científico, considerado por especialistas como um dos mais ambiciosos da atualidade, vai contar com uma participação fundamental da ciência brasileira para responder perguntas sobre a origem do universo a partir do estudo de neutrinos, partículas subatômicas que surgiram após o Big Bang.
🤯 Mistérios como o surgimento da matéria e a formação dos buracos negros podem ser desvendados pelo Projeto Dune, que tem uma estrutura grandiosa – ligando dois estados norte-americanos – e receberá o investimento total de U$ 3,7 bilhões, aproximadamente R$ 20 bilhões.
Traduzido da sigla em inglês, o Experimento Subterrâneo Profundo de Neutrino (Deep Underground Neutrino Experiment) vai buscar respostas a partir da análise dessas partículas minúsculas que estão por toda a parte, inclusive, ao nosso redor (abaixo, entenda o que são os neutrinos).
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Para isso, foram construídas duas cavernas a 1,6 quilômetro abaixo da superfície. Com 150 metros de altura por 150 metros de comprimento, elas contarão com quatro detectores de tamanho aproximado ao de um prédio de sete andares – recheados, cada um, com 17 mil toneladas de argônio líquido puríssimo, produzido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A universidade do interior de São Paulo também é responsável por um sistema de detecção de luz, o X-Arapuca, que vai garantir que cada reação seja registrada. O Projeto Dune está sediado no Fermilab, laboratório especializado em física de partículas de alta energia do Departamento de Energia dos Estados Unidos, do governo norte-americano, e deve iniciar os experimentos até 2030.
O g1 conversou com o professor Pascoal Pagliuso, coordenador da pesquisa pela Unicamp, para entender mais sobre o trabalho.
O que são neutrinos
Como o estudo dos neutrinos vai ajudar a entender a origem do universo
Qual é a participação brasileira no Projeto Dune
Como o Projeto Dune contribuirá com avanços científicos
Quais os investimentos e quando será o start
Dune: megaprojeto internacional desvenda origem do universo
Arte g1
1. O que são os neutrinos?
Os neutrinos são misteriosas partículas subatômicas – menores que um átomo – que surgiram segundos após o Big Bang – teoria mais aceita pela ciência para a origem e desenvolvimento do universo. São a segunda partícula elementar mais abundante, atrás apenas dos fótons.
Eles estão por toda parte, inclusive no planeta Terra – onde chegam, principalmente, por meio de reações nucleares naturais do Sol – e atravessam nossos corpos a todo instante como se fôssemos invisíveis: estamos mergulhados em um mar de neutrinos. 🌊
Apesar disso, não nos fazem nenhum mal. Na verdade, são imperceptíveis e praticamente indetectáveis. Passam por toda parte sem serem notados e sequer podem ser vistos – nem pelos microscópios mais potentes.
2. Como o Projeto Dune pode desvendar a origem do universo?
Os neutrinos raramente interagem com a matéria e justamente por isso é tão difícil estudá-los. No entanto, Pascoal explica que as propriedades deles estão fortemente relacionadas aos principais mistérios do universo e de sua criação.
É que a ciência já sabe que essas partículas estão presentes em alguns fenômenos desde o início da existência, mas ainda resta entender o porquê e qual a importância delas nesses processos – e é exatamente isso que o Dune busca compreender.
🌌 Big Bang e o equilíbrio entre matéria e antimatéria
A primeira pergunta que os cientistas esperam responder com a ajuda dos neutrinos é por que a matéria venceu a antimatéria na origem do universo. Entenda:
matéria é tudo o que podemos tocar, ver ou sentir, que tem massa e ocupa espaço, como o ar ou nosso próprio corpo;
antimatéria é o oposto, como a luz, que é energia, e o som, que é vibração no ar (esse, sim, é matéria).
Após o Big Bang, o universo passou a criar partículas de matéria e antimatéria em quantidades iguais. No entanto, algo quebrou esse equilíbrio e a matéria sobressaiu à antimatéria, levando ao surgimento dos planetas e, consequentemente, da vida. Uma das hipóteses, segundo Pascoal, é que os neutrinos tenham contribuído para que isso ocorresse.
💫 Formação de buracos negros
Outro mistério é a formação dos buracos negros que, normalmente, surgem a partir da explosão de uma estrela. “Quando uma estrela sofre uma explosão e vai colapsar para uma estrela de nêutrons ou para um buraco negro, dependendo da massa, uma das primeiras emissões que ela faz na explosão é um feixe de neutrinos”, explica o pesquisador.
“Os neutrinos emitidos nessa explosão trazem informação do processo de formação do buraco negro. Dessa forma, estudando os neutrinos, nós podemos responder como ocorre a formação dos buracos negros e como que ele se desenvolve, como uma estrela, ao colapsar, desenvolve um buraco negro ou estrela de nêutrons e assim por diante”.
🪐 Decaimento dos prótons
O próton é uma das partículas que formam o núcleo dos átomos. Pelos padrões da física, ele é considerado estável. No entanto, teorias avançadas sugerem que ele deveria decair, isto é, desintegrar e se transformar em uma partícula menor, como o neutrino.
Esse processo levaria bilhões de anos para acontecer e nunca foi, de fato, observado pela ciência. Como o argônio líquido puríssimo é rico em prótons e, durante o experimento, estará em um ambiente propício para esse tipo de evento, pode ser possível observá-lo caso ocorra.
O decaimento nunca foi testemunhado na prática: ele é apenas teoria. Se o fenômeno for observado e comprovado, deve tornar os modelos físicos mais completos, inclusive, ajudando a desvendar a Teoria de Campo Unificado, levantada por Albert Einstein – que poderia explicar os fenômenos eletromagnéticos e os unificar com a gravitação.
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3. Qual é a participação brasileira no Projeto Dune?
Projeto Dune: túnel onde argônio líquido puríssimo será despejado para ação dos neutrinos
Fermilab/Divulgação
Pascoal diz que o projeto Dune será responsável pelo “feixe de neutrinos mais intenso que a humanidade já produziu”. Porém, a análise de suas reações só será possível com a atuação de duas tecnologias desenvolvidas por cientistas da Unicamp: o processo de purificação de argônio líquido e o detector de luz X-Arapuca.
🧪 O argônio é um gás nobre sem cor, sem cheiro e muito estável. Quando resfriado a -184ºC, vira líquido. No experimento, a substância serve como meio para a ação dos neutrinos. É nela que a partícula vai “navegar” e ter suas reações. Além disso, existe a possibilidade de um neutrino interagir diretamente com o núcleo do argônio, gerando um efeito específico a ser estudado.
“Esse argônio líquido tem que ser ultra puro. É, mais ou menos como, você não poder ter uma gotinha de oxigênio numa piscina olímpica. Se você tiver uma gotinha de oxigênio líquido numa piscina cheia de argônio, vai estragar o experimento. E nós [Unicamp] desenvolvemos o método de purificação para fazer o argônio que será usado”, pontua Pascoal.
🌟 O X-Arapuca, por sua vez, é um dispositivo que captura a interação entre o neutrino e o argônio líquido. Quando o neutrino colide contra um átomo da substância, é gerado um clarão de luz UV. A ferramenta é capaz de “capturar” essa luz e transformá-la em algo visível, possibilitando a análise dos cientistas. Isso quer dizer que os neutrinos não serão vistos, mas suas interações, sim.
⚛️ Entenda como funcionará o experimento:
os neutrinos serão gerados por meio de um acelerador de partículas em Chicago, no estado de Illinois;
de lá, viajarão por 1,3 mil quilômetros até Dakota do Sul, por baixo da superfície;
no trajeto, os neutrinos passarão por gigantescos detectores de partículas, recheados de argônio líquido puríssimo;
o neutrino vai interagir com o núcleo do argônio, emitindo partículas carregadas de luz e cintilações de argônio;
a luz será captada pelo X-Arapuca – serão 1,5 mil módulos desse tipo.
✨ Resumindo: as cintilações e cargas elétricas produzidas no argônio pela passagem do feixe de neutrinos informarão os cientistas sobre as transformações sofridas por essas partículas depois de viajarem debaixo da terra.
Essas reações podem trazer respostas para, pelo menos, três perguntas:
Por que a matéria predominou a antimatéria na formação do universo?
Como a explosão das estrelas cria buracos negros?
Os prótons podem decair? E, se sim, o que isso revela sobre a relação entre a estabilidade da matéria e a grande unificação de forças?
“Argônio é o meio, é o alvo do neutrino, é o meio pelo qual o neutrino vai passar e vai permitir a criação de partículas devido à passagem dele. Existe uma probabilidade de quando ele passar, ele criar outras partículas pela interação com o núcleo do argônio”, explica o professor.
4. Avanço científico e protagonismo para o Brasil
Pascoal Pagliuso ressalta que grandes experimentos científicos, como o Dune, trazem impactos tecnológicos relevantes para toda a sociedade. O próprio trabalho da Unicamp, por exemplo, deu origem a um método inovador de purificação de gases e líquidos, que poderá, no futuro, ser usado em outras situações.
“Estamos usando para o argônio líquido, é verdade, mas isso pode se aplicar em qualquer outro gás ou líquido, até para purificar oxigênio hospitalar ou reservar hidrogênio para combustíveis. A gente desenvolveu uma tecnologia que pode se converter em vários outros aspectos, de outras formas diferentes. Tanto que nós temos patente dessa tecnologia”, comenta.
Detector de lux X-Arapuca foi desenvolvido pela Unicamp e será utilizado no megaexperimento científico Dune
Felipe Bezerra/Unicamp
O pesquisador também destaca a importância científica que o Brasil terá a partir da pesquisa. Para ele, sem a tecnologia criada pela Unicamp, o Projeto Dune não seria viável – ele define a instituição como uma líder integradora entre os envolvidos. Além disso, outras empresas do país também contribuem com o emprego de tecnologia e conhecimento.
“É um protagonismo que eu desconheço que o Brasil tenha tido no passado. Realmente, é muito importante porque é um experimento, um dos mais importantes da ciência no mundo na atualidade, que vai durar por muito tempo, né? Durante 20, 30 anos, a Unicamp e o Brasil estarão na vitrine da ciência e da tecnologia mundial”.
Quais são os investimentos e quando será o start
O Dune é um projeto internacional com a participação de 1,4 mil cientistas de todo o mundo – são mais de 200 instituições de 37 países.
A Unicamp é a principal representante brasileira, coordenando as equipes de pesquisa, e conta com a parceria do Grupo Akaer, de São José dos Campos (SP), e outras empresas coexecutoras, na produção das tecnologias desenvolvidas na instituição.
O investimento total corresponde a cerca de R$ 20 bilhões, sendo a maior fatia aplicada pelo próprio Departamento de Energia dos EUA. O Brasil aplica cerca de R$ 200 milhões – dos quais R$ 88,6 mi são aporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Caverna de 150 metros de altura e comprimento integra megaprojeto Dune
Ryan Postel/Fermilab
As escavações das cavernas terminaram em agosto de 2024. Agora o projeto está na etapa de construção dos equipamentos que vão compor a estrutura, como o acelerador de partículas, responsável pela emissão do feixe de neutrinos, o purificador de argônio, os detectores e o X-Arapuca.
A expectativa é que o primeiro feixe de neutrinos seja lançado em 2030, quando o experimento começará oficialmente. Pascoal Pagliuso explica, entretanto, que a estrutura pode começar a ser usada um pouco antes.
“É possível que a partir do ano de 2028 ou 2029, os detectores estarão prontos e já completos com o argônio líquido puro. Então, em princípio, o Dune pode funcionar no final de 2028 ou começo de 2029, estudando os neutrinos atmosféricos, ou seja, gerados pelo Sol ou por fontes do espaço”.
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