Um ano após a enchente: comércio de Sinimbu recomeça com coragem e olhar para o futuro

Medo e angústia são sentimentos que moradores, empresários e lideranças de Sinimbu sentiram em 30 de abril de 2024 e nos dias seguintes, quando a área central foi tomada pela água do Rio Pardinho, e pela lama. A destruição deixou marcas ainda presentes na memória de quem enfrentou e lutou pelos bens e pela própria vida. 

A ansiedade e o choro ainda são quase inevitáveis nos dias de chuva. Entre os que vivem essa agonia está Élvio Bublitz. Aos 71 anos, ele é dono de um posto de combustíveis. De uma janela do estabelecimento, observa as mudanças no curso do rio, que há um ano transformou a vida de todos.

“Quando dá uma chuva, tu já te assusta. E isso é quase com todo o pessoal que mora aqui. Dá uma chuvarada, uns trovões, já ficamos em alerta, com medo. É complicado. A gente passou por um susto, ficou um trauma”, desabafa.  

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O empreendimento da família é um dos dois postos de abastecimento no município. Tão logo a água baixou, tudo foi reorganizado para, oito dias depois, atender à demanda que surgia por parte de maquinários e veículos de voluntários, empresas e contratados pela Prefeitura para a recuperação de Sinimbu. Mas as dificuldades eram enormes. Além da falta de energia elétrica, as perdas materiais ainda estavam sendo contabilizadas.

Máquinas do posto de lavagem e da borracharia, um gerador, produtos da loja de autopeças haviam se perdido. Para piorar, uma grande vala havia se aberto no meio da rua principal, impossibilitando a chegada de veículos ao estabelecimento. Com isso, funcionários do posto tomaram a frente para recuperar o acesso ao local. Mas esses não eram os únicos problemas enfrentados por Bublitz.

Um dos reservatórios havia tido um problema no filtro e um dos combustíveis, o diesel S500, não podia ser usado, pois poderia estar contaminado pela água da enchente. Assim, após mais de uma semana, só era possível abastecer gasolina e diesel S10.

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“A ficha demorou dois dias para cair. Eu ficava trabalhando, limpando e rindo, sem acreditar naquilo tudo. Mas quando vimos as despesas, foi desolador. Uma tristeza enorme tomou conta de todos. O bom foi que tivemos muita ajuda de terceiros. Teve gente que eu nunca tinha visto nos incentivando a seguir firme”, afirma Bublitz. 

O empresário, que conta com o auxílio da filha Olga na condução do posto, relembra a dor de ver o legado da família submerso e de onde reuniu forças para recomeçar. “Meu pai sempre dizia: alguém tem que fazer. Então cheguei aqui e disse, nós vamos fazer. Começamos a limpar, ver o que dava para aproveitar e reerguemos. Com os dias, começou a dar um ânimo cada vez maior para trabalhar. E foi assim que a gente, graças a Deus, conseguiu de novo.”

Mas ele ressalta que não quer passar por essa experiência novamente. “Se isso acontecer de novo, eu não sei. Sou capaz de desistir. Eu não quero mais passar por isso, é muito triste. Não pelo valor que vai, mas é triste ver o que está acontecendo.” Com esse sentimento, hoje Élvio Bublitz vê sua vida retomando a rotina, mas sem deixar de lembrar daquelas marcas que dificilmente serão apagadas da memória. 

“Vimos tudo indo embora. Mas recomeçamos do zero”

Após ser resgatada de barco do local onde nove meses antes dera início a um sonho, Dulciane Haag, de 28 anos, reuniu apoio, confiança e força de vontade para recomeçar. Quando viu que a tentativa de salvar mercadorias e equipamentos seria em vão, no 30 de abril de 2024, o esforço e o medo deram lugar às orações pela sua vida e para que pudesse rever seu filho.

Naquele dia, acordou com o som das sirenes que alertavam para as chuvas e levou o menino até a casa da sogra para deixá-lo em segurança. De lá, correu para a farmácia que havia inaugurado junto aos sócios, o casal Ademir Sulzbacher e Jaqueline Geske. A situação ainda não era tão grave, mas ela e uma funcionária passaram a monitorar a elevação do rio.

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Por cautela, com a ajuda do marido de Dulciane, as mercadorias começaram a ser reposicionadas nas prateleiras e equipamentos foram levados para o segundo pavimento do prédio. No entanto, a enchente começava a avançar cada vez mais rápido pelas ruas. “Quando a água estava na metade das vitrines pensamos que era preciso sair dali, pois iria inundar tudo. Fomos para os fundos do terreno, onde moram os antigos donos da farmácia, e lá também já estava tudo alagado. Não tínhamos como sair. Então fomos para o segundo piso do prédio”, conta Dulciane.

Em segurança, mas com medo, dali assistiram à destruição. “Vimos a enchente levar tudo o que havia pela frente, ouvíamos os vidros quebrando, a porta, a janela lateral, o calçamento, postes de luz e duas árvores sendo arrancadas. Vimos prateleiras e produtos indo embora e o salão de beleza que ficava em frente à farmácia ser destruído. Um viatura da Brigada Militar também foi arrastada”, recorda. Em meio a tudo, ela rezava para reencontrar o filho.

Por volta das 16h30, Dulciane, o marido e a funcionária foram resgatados. “Foi um desespero, um medo que não tem como descrever.” O dia seguinte foi de arregaçar as mangas e dar início ao recomeço. Eles estavam sem prateleiras, sem computadores, sem mercadoria, sem nada. “Começamos do absoluto zero. E tudo nós conseguimos reconquistar. Mas o caminho não foi fácil, ficaram muitas contas e tivemos que investir tudo de novo.”

A farmácia de Dulciane, Ademir e Geske foi uma das seis existentes na cidade e que foram destruídas. A falta de medicamentos e o período de reestruturação afastaram os clientes. Logo após a enchente, os moradores não tinham onde comprar medicamentos.

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“Estava tudo destruído, então quem conseguia, era porque havia adquirido em outra cidade ou alguém havia trazido. As distribuidoras não conseguiam nos entregar mercadorias devido aos bloqueios. Quando conseguimos atender, vimos que muitos clientes já não vinham mais, por conta das quedas de pontes e acessos que impossibilitavam de vir ao Centro, mas conseguiam ir a municípios vizinhos.”

O incentivo para fazer de novo e melhor

Ainda na noite de 29 de abril do ano passado, o empresário Jackson Rabuske, 45 anos, começou a retirar as mercadorias e utensílios do supermercado e do restaurante da família, que fica a poucos metros do Rio Pardinho. Com a ajuda do irmão, ele temia o risco de uma enchente. Com a situação aparentemente controlada após um breve recuo das águas, na manhã seguinte teve início a limpeza do mercado.

Enquanto trabalhava, passou a receber ligações de conhecidos dos municípios de Boqueirão do Leão e Barros Cassal, que alertavam para um grande volume de água que desceria a Sinimbu. Diante do aviso, interrompeu a limpeza e ergueu ainda mais os produtos para prateleiras mais altas. “A partir das 11h30 perdemos a noção do tempo”, resume ao falar do dia 30 de abril.

Em meio a isso, celular e documentos se perderam. Pessoas que estavam perto avisavam que era preciso tirar o carro da rua, porque a correnteza estava forte. Após sair do mercado com água na cintura, encontrou abrigo no segundo pavimento de um prédio vizinho. A água que não parava de subir ia levando tudo pela frente. Os 20 dias seguintes foram de desespero e incerteza.

Sem luz e sozinho, Rabuske não tinha clareza das dimensões do estrago naquela primeira noite. Então vice-prefeito do município, ficou no mercado à luz de vela pensando no futuro. Naquele momento, a história familiar que se confunde com a do supermercado veio à tona. “Passei praticamente três noites chorando aqui dentro, vendo tudo que nós somos, uma empresa que tem uma história de mais de 50 anos, ser destruída naquelas poucas horas. No dia 1º de maio, era o aniversário do meu pai. Ele que construiu quase tudo isso aqui. Então, ele entrou e ficamos abraçados, apavorados e chorando, sem chão.”

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Durante aquele dia, o apoio começou a chegar. Mas a insegurança aumentava. “Não se sabia o que fazer, não parava de chover, eu sem telefone, sem luz. Pouco depois do meio-dia, junto com o apoio também começaram a aparecer ladrões, saqueando o pouco que restou em meio ao barro.” Além dessa situação caótica, Rabuske não tinha notícias dos familiares, entre eles seu filho de 15 anos e a esposa, que moram em Vale do Sol. O reencontro aconteceu somente 14 dias depois da tragédia.

Ainda que o empreendimento familiar estivesse naquela situação, ele também sabia do seu dever como vice-prefeito. Então, passou a auxiliar na coordenação de entradas e saídas de pessoas no trevo de acesso a cidade. Ali via situações, ouvia relatos, recebia abraços e dividia a dor. “Foram tantas experiências, que reforçaram o ser humano Jackson”, diz ele.

E foi num momento desses que recebeu o maior incentivo para, em menos de um mês, reabrir seus empreendimentos. Após ouvir de um morador que ele era um empreendedor e que ajudava as demais pessoas a fazerem o mesmo, Rabuske deu início à reestruturação dos negócios familiares. Muitos voluntários auxiliaram na limpeza e outros empresários o apoiaram. “Assim construímos de novo um supermercado que é quase um sonho, com um piso novo, com prateleiras novas, de um jeito que a gente sempre queria que fosse.”

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Ao reabrir o restaurante, no dia 21 de maio, veio o desejo de retomar os trabalhos no supermercado uma semana depois. Para celebrar o aniversário, dia 28 de maio, estabeleceu a data como meta para abrir as portas. No entanto, não contava com nenhuma mercadoria nas prateleiras. Foi então que recebeu a ajuda de um amigo de Mato Leitão, que lhe fez a doação dos primeiros produtos do novo mercado.

“Me lembro muito bem, foram dois pacotes de arroz de cinco quilos, dois óleos de soja, feijão, farinha, massa, que naquele momento foram muito importantes, fazendo com que eu tivesse por uns três dias arroz suficiente pra vender pras pessoas e não ter o custo disso.” No mesmo dia, outros estabelecimentos iniciaram suas atividades, como forma de união.

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Rabuske afirma que, apesar de hoje os empreendimentos estarem cerca de 80% reconstruídos, a situação financeira foi bastante comprometida. “As contas não estão como estavam. E a gente precisa voltar a ter pessoas, porque elas saíram do nosso comércio para ir a outros lugares comprar, e nosso comércio é muito forte.”

Ele também perdeu produtos e maquinários na loja de tintas que tinha ao lado do supermercado. A partir disso, encerrou as atividades, mas no local abriu uma empresa de representações e serviços de controladoria.

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