No dia 17 de julho de 2024, o Papa Francisco publicou uma carta, dando aula magistral sobre o papel da literatura na educação. Lembra que havia sido professor de literatura numa escola jesuíta, em Santa Fé, na sua Argentina, e queria que os alunos lessem os clássicos, mas eles preferiam obras contemporâneas. Respeitou seus desejos, porque “afinal, o coração procura mais e, na literatura, cada um encontra seu próprio caminho”.
Pessoalmente, confessa sua preferência pelos artistas das tragédias, “porque podemos sentir as suas obras como nossas, como expressão de nossos próprios dramas. No fundo, ao chorar o destino das personagens, estamos a chorar por nós mesmos: o nosso vazio, as nossas falhas, a nossa solidão”. Insiste, porém, na liberdade de escolha, “cada um encontrará os livros que falarão à sua própria vida e que se tornarão verdadeiros companheiros de viagem”.
Cada obra se renova sempre em cada leitor, repercute nele de forma singular, única. Ela é repouso no cansaço, companhia na solidão, consolo nos momentos de fracasso e desilusão. Um bom livro ajuda a enfrentar a tempestade até nos devolver à serenidade da vida. A literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja da vida, uma vez que entra numa relação íntima com a nossa existência concreta, com suas tensões existenciais, com os seus desejos e significados, confessa o pontífice.
Francisco lembra que o apóstolo Paulo entendia que a literatura, seja ela mesmo pagã, descobre os abismos que habitam o homem, levando-o a um diálogo fecundo tanto com a cultura do seu tempo quanto com todas as culturas que o antecederam. Evoca cientistas que, num ponto de vista pragmático, afirmam que o hábito de ler produz inúmeros efeitos positivos na vida de uma pessoa: ajuda-a a ampliar seu vocabulário, a desenvolver vários aspectos de sua inteligência, estimula a imaginação e a criatividade, reduz o déficit cognitivo e acalma o estresse e a ansiedade.
Traz à tona grandes nomes como, por exemplo, Marcel Proust, para quem os romances desencadeiam em nós, no espaço de uma hora, todas as alegrias e desgraças possíveis que, durante a vida, levaríamos anos inteiros a conhecer minimamente; e, dessas, as mais intensas nunca nos seriam reveladas, porque a lentidão com que ocorrem nos impede de as perceber.
Passando por seu ilustre conterrâneo Jorge Luis Borges, Francisco diz que aprendeu com ele a magnífica definição de que ler é ouvir a voz de alguém. Borges ensinava a seus alunos que o mais importante é ler, entrar em contato direto com a literatura, mergulhar no texto vivo que se tem diante de si, ouvir o que o autor tem a nos dizer. “Não esqueçamos o quanto é perigoso deixar de ouvir a voz do outro que nos interpela”, adverte o Papa.
Regressando de uma viagem ao Japão, perguntado sobre o que o Ocidente teria a aprender com o Oriente, Francisco respondeu: creio que falte ao Ocidente um pouco de poesia. Cita o teólogo alemão Karl Rahner: as palavras do poeta estão cheias de saudade, são portas que se abrem para o infinito, portas que se escancaram à imensidão.
O olhar da literatura forma o leitor para o descentramento, ensinando-lhe uma pobreza que é fonte de extraordinária riqueza, escreve o Papa. Francisco deu a aula que teria sido a dos meus sonhos de professor de literatura.
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