Brasil e Dinamarca disputam ossos pré-históricos encontrados em Minas Gerais; entenda


Fósseis foram descobertos em Lagoa Santa, na Grande BH, pelo naturalista dinamarquês Peter Lund no século XIX. Eles foram emprestados pela Dinamarca ao Brasil em 2012, mas nunca foram devolvidos. Fósseis descobertos por Peter Lund, em Lagoa Santa, na Grande BH.
Pedro Cunha/G1
Mais de 80 ossos pré-históricos são alvo de uma disputa entre Brasil e Dinamarca. Os fósseis foram encontrados em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, no século XIX, pelo naturalista dinamarquês Peter Lund.
O local faz parte de uma importante área para a arqueologia nacional. Perto dali, em Pedro Leopoldo, foi encontrado o fóssil humano mais antigo das Américas, a Luzia. Essa descoberta aconteceu 50 anos atrás, tempos depois da expedição de Lund. (Veja o mapa abaixo)
Mapa sobre as descobertas arqueológicas em Minas Gerais
arte/g1
Em 1845, o dinamarquês mandou para seu país mais de 12 mil peças. Em 2012, o Museu de História Natural da Dinamarca cedeu 82 fósseis para a inauguração do Museu Peter Lund, em 2012. O prazo de empréstimo era de três anos e já se passaram mais de dez.
Há seis meses, a Dinamarca manifestou interesse em pegar os fósseis de volta, mas ainda não houve resposta para este pedido. Há quem defenda o retorno do acervo e há quem determine a permanência deles no Brasil.
O Museu da Dinamarca recentemente devolveu um manto tupinambás, do século XVI ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro. (leia mais abaixo)
Rosângela Albano Silva, coordenadora do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale)
Arquivo pessoal
Para a coordenadora do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale), de Lagoa Santa, Annette Laming Emperaire, o jogo de empurra mostra o desinteresse pelo patrimônio. Ela ainda defende que o acervo que está na Dinamarca seja acessado pelo povo brasileiro.
“Isso é um prejuízo para a produção de pesquisa, de ciência. Nem todos tem condições de viajar para a Dinamarca pra fazer este tipo de pesquisa e o povo brasileiro também tem direito a ter acesso a este passado. Esses fósseis fazem parte do primeiro conjunto de ossos humanos encontrados na América. Em sequência foram encontrados os esqueletos de animais. A coleção de Peter Lund, de tão importante que é, chamou a atenção de Charles Darwin que foi o criador da teoria da evolução das espécies humanas.”, lamentou Rosângela Albano Silva, arqueóloga coordenadora do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale).
Professor Luiz Antônio Cruz, no Museu de História Natural da Dinamarca, ao lado das caixas com a coleção de fósseis de Peter Lund.
Arquivo Pessoal
O vice-presidente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia e Pesquisa em História Natural, Patrimônio Cultural, Artes, Sustentabilidade e Território, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Antônio Cruz Souza esteve no Museu de História Natural da Dinamarca e viu todo o material de perto.
“Eu conheci a coleção conforme ela está armazenada. Há peças enroladas em jornais do século XIX. A própria forma como ele (Lund) armazenou os ossos já é um acervo histórico também. A luta não é só pra que os ossos que já estão aqui fiquem mas que os demais que estão lá, voltem. É preciso repatriar porque é algo que saiu do nosso solo. Mas de forma correta, por meio de diplomacia”, explicou Luiz Antônio
Um dos crânios humanos que faz parte da coleção que está no Museu de História Natural da Dinamarca.
Acervo do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire
O que dizem a prefeitura e o governo estadual
Museu Peter Lund, em Lagoa Santa.
TV Globo
Na época em que ocorreu o empréstimo, a Prefeitura de Lagoa Santa ficou responsável pelo acervo. Porém, o município informou ao g1 que os fósseis estão sob a guarda do Instituto Estadual de Florestas, e o destino do material é de responsabilidade da Casa Civil do Governo do Estado de Minas Gerais.
A prefeitura disse também que o assunto não é da jurisdição do município, já que o museu é gerido pela iniciativa privada e está sob o controle do estado.
O g1 entrou em contato com o governo do estado que informou que o acordo foi firmado inicialmente entre Museu Real da Dinamarca e Prefeitura de Lagoa Santa, sendo o Instituto Estadual de Florestas (IEF) beneficiário extra, fornecendo o espaço para os fósseis. Esse contrato venceu em 2020, e a Prefeitura informou que não possuía interesse na renovação.
Por considerar a relevância dos fósseis, que representam um patrimônio histórico e científico inestimável, o IEF tem garantido a proteção. A Secretaria de Casa Civil passou a atuar diretamente nas discussões e está em diálogo constante com Museu da Dinamarca. Acredita-se que, em breve, será encontrada uma solução harmônica sobre o tema, com a possibilidade assinatura de novo contrato.
Ossos coletados por Peter Lund, no século XIX, em Lagoa Santa.
TV Globo
Confira alguns ossos pré-históricos expostos no Museu Peter Lund
Repatriação de objetos históricos
Pesquisadores analisam manto sagrado tupinambá e revelam detalhes sobre o povo indígena
Jornal Nacional/ Reprodução
No início de julho, um manto sagrado tupinambá foi cedido ao Brasil pelo governo dinamarquês. A peça é do século XVI e faz parte da história de formação do povo brasileiro. Ele foi doado ao Museu Nacional do Rio de Janeiro pelo Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague.
Para os especialistas, toda a coleção de ossos de Peter Lund, que morou em Lagoa Santa por 40 anos, deveria seguir o mesmo destino.
“O manto foi uma iniciativa diplomática. O embaixador fez todo o trâmite dessa negociação. Essa questão tem um aspecto legal também. E a vontade política de se fazer isso. O mesmo deveria existir com a coleção de fósseis de Peter Lund”, explicou Luiz Antônio.
O g1 entrou em contato com o Museu de História Natural da Dinamarca, mas não havia obtido retorno até a atualização mais recente desta reportagem.
Museu Peter Lund é inaugurado em Lagoa Santa
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