Convivência próxima com Belchior é tema de livro de jornalista radicado em Santa Cruz

Não muito mais do que 600 quilômetros separam, no Nordeste brasileiro, as cidades de Lago da Pedra, no Maranhão, onde nasceu o jornalista e escritor Dogival Duarte, e Sobral, no Ceará, terra natal do cantor e compositor Antônio Carlos Belchior (1946-2017). Mas o acaso da vida colocou os dois em convívio no extremo oposto do País, no interior do Rio Grande do Sul, a mais de 4 mil quilômetros de sua área de origem.

Duarte mudou-se para o Sul do País na década de 1980 e acabou por se radicar em Santa Cruz do Sul. Já em pleno século 21, o cantor famoso optou pelo anonimato ao lado de sua companheira, Edna. Quando surgiu a notícia da morte de Belchior, seu paradeiro nos últimos anos de vida foi revelado: Santa Cruz do Sul, onde estava desde o fim de 2013.

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Agora, Dogival compartilha com o público um livro no qual rememora a amizade entre ambos, surgida em meados da década de 1980, e, especialmente, aspectos da rotina e dos bastidores da estada de Bel e Edna em Santa Cruz. A obra, Belchior: cenas do último capítulo, em edição do autor, será lançada na próxima quarta-feira, 30, dia em que a morte do cantor completará oito anos. O evento, com sessão de autógrafos e show musical, ocorrerá no Barbudas Bar, na Rua Borges de Medeiros, 773. O exemplar custa R$ 80,00.

Em 382 páginas, Dogival aborda em especial o período em que ele, sua esposa, Bruna, e o filho Dionel hospedaram Belchior e Edna em sua casa. Detalha ainda o périplo do cantor pela região, em seus diferentes domicílios, e resgata circunstâncias nas quais evidencia sua paixão de fã e sua admiração pelo ídolo, incluindo inúmeras entrevistas. É, a um tempo, uma espécie de depoimento e uma declaração de afeto.

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O jornalista encontra o cantor cearense em Santa Cruz do Sul, por volta de 1987 ou 1988

“Aqui vou contar muitas coisas vividas com o Belchior e quase tudo o que aconteceu conosco em sua estada em minha casa e na temporada em que ele viveu em Santa Cruz do Sul, seu último refúgio. Neste resgate, fui trabalhando conforme as coisas foram surgindo. Trata-se das memórias de um fã que, depois de uma amizade de trinta anos, teve a oportunidade de acolher e conviver com o amigo e ídolo
dentro de casa e proporcionar-lhe uma estada benéfica e salutar em seus últimos tempos. Como foram muitas as perguntas sobre nossa amizade, desde quando e de onde o conhecia, faço um resgate de nossa amizade, e conversei com alguns de seus amigos e parceiros musicais sobre sua trajetória e com os amigos que me ajudaram no seu acolhimento em Santa Cruz.”

– Dogival Duarte, jornalista e escritor

Serviço

  • O QUÊ: lançamento do livro Belchior: cenas do último capítulo, do jornalista e escritor Dogival Duarte, com sessão de autógrafos.
  • QUANDO: na próxima quarta-feira, dia 30, a partir das 20 horas.
  • ONDE: no Barbudas Bar, na Rua Borges de Medeiros, 773, no centro de Santa Cruz do Sul.
  • PARA ADQUIRIR: exemplares estarão à venda no local, por R$ 80,00; posteriormente, poderão ser adquiridos em livrarias ou diretamente com o autor, pelo telefone (51) 9 9922 0060.
  • ATRAÇÃO EXTRA: além do lançamento do livro, a atividade ainda contará com um Tributo a Belchior, a ser feito pela banda Ramal 314, criada em 2015 pelos irmãos Roberto e Ricardo Pohlmann, em Santa Cruz do Sul, no apartamento onde moravam, de número 314. Em 2021 juntaram-se aos irmãos o baterista Diego Maracci e o produtor musical Alison Knak, constituindo a formação atual. As obras da banda buscam trazer calmaria, paz e reflexão, conforme explica Ricardo. A apresentação musical se iniciará às 21 horas e terá um couvert de R$ 15,00.

“Belchior era uma cachoeira de sabedoria”

Radicado em Santa Cruz do Sul há 38 anos, desde 1986, quando chegou à cidade, oriundo de Novo Hamburgo, para atuar junto à Diocese, na assessoria ao bispo dom Sinésio Bohn, Dogival Duarte tem 62 anos, tendo nascido em 7 de janeiro de 1963 em Lago da Pedra, no Maranhão. É de família de sete irmãos, sendo que duas irmãs e um irmão moram em Brasília, e dois irmãos e uma irmã permanecem no estado natal.

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Em Santa Cruz, em 1988 ingressou no curso de Letras, no qual se formou. Mais tarde fez um pós em Bogotá, na Colômbia, e tornou-se mestre em Desenvolvimento Regional, área de Comunicação Social, pela Unisc. Atua como jornalista, comunicador e escritor, sendo membro fundador da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul.

“Recordo o tempo todo de nossas conversas”, frisa Dogival, sobre a amizade com Belchior | Foto: Rodrigo Assmann

Em literatura, assina obra que tem na poesia a sua ênfase, e com direito a relevantes prêmios. Sua estreia ocorreu com os poemas de Elegia, em 1985, antes ainda de sua chegada a Santa Cruz. No ano seguinte lançou Poemas da Terra, e em 1991 veio Pedra angular. Foi com Parusia, de 1997, que obteve o prêmio de melhor livro do ano pelo Instituto Estadual do Livro (IEL) e pela Secretaria de Cultura de Porto Alegre. Por fim, em 2001 apresentou o volume Sortilégios.

Agora, em Belchior: cenas do último capítulo, compartilha a experiência de, junto com a esposa Bruna e o filho Dionel, ter hospedado por um tempo ninguém menos do que um ídolo da música e da cultura brasileira em sua casa. Em entrevista ao Magazine, abaixo, recorda de sua relação com o músico cearense. Que é tamanha a tal ponto de ter escolhido Belchior como patrono de sua cadeira na Academia de Letras.

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Entrevista

Dogival Duarte
Jornalista e escritor

  • Ao longo de quanto tempo o senhor esteve trabalhando na obra sobre o Belchior e qual era o propósito do livro?
  • No início eu não queria escrever sobre a estada do Belchior entre nós, mas com o tempo apareceram matérias e livros com inverdades, bem como muito falatório indecoroso de que o Belchior era refém de fãs e outras bobagens. Então, resolvi me posicionar sobre tudo o que aconteceu conosco em Santa Cruz do Sul. Desde o início, meu amigo e escritor Frei Betto me dizia: “Dogival, escreve sobre o Belchior”, mas eu estava “mais angustiado do que um goleiro na hora do gol”, como canta Belchior em Divina Comédia Humana.
    Dei muitas entrevistas sobre o tema, até que apareceu um livro aventureiro de uma dupla carioca diletante e então dei um basta e decidi resgatar nossa convivência com o Belchior em Santa Cruz. Trabalhei por quatro anos no texto. Trata-se de um livro de memórias, pois já tem uma biografia publicada, Belchior – Apenas um rapaz latino-americano, do jornalista Jotabê Medeiros, a melhor até hoje, e o livro Cancioneiro Belchior, do professor José Gomes Neto, que traz letras, entrevistas, matérias e relatos significativos e de grande importância na trajetória do Belchior. De modo que esse meu livro vem cumprir a missão de esclarecer muitas coisas e afirmar que aqui o Belchior conviveu de maneira salutar e benéfica, além de revelar passagens que guardei de maneira discreta para o momento certo.
  • Em que momento e como o senhor interveio para que Belchior se fixasse em Santa Cruz?
  • Desde que saiu aquela reportagem da Sônia Bridi no Fantástico revelando que o Belchior estava em San Gregório de Polanco, refugiado (autoexilado) no Uruguai, passei a buscar por ele. Fui ao Uruguai, mas ele já havia pegado a estrada. Depois vi que ele estava me Porto Alegre: fui lá e não mais o encontrei. Depois pensei: bem, ele está por perto.
    Um dia, sem mais, fiquei sabendo, através da amiga Célia Zingler, que o Belchior estava em Santa Cruz e combinamos um jantar. Logo o convidei para uma temporada em minha casa. Depois pedi apoio a alguns amigos para fazer um rodízio de acolhimento a ele e sua companheira, Edna. Ou seja, ele se sentiu bem acolhido, respeitado em seu discreto autoexílio e contando com excelente infraestrutura: era o que ele precisava na época. E aqui permaneceu. Eu andava de carro com ele pela cidade e conversamos muito: ele gostava de olhar a Catedral e o Túnel Verde.
  • Como era a rotina de Belchior e de Edna na cidade?
  • O Belchior conhecia Santa Cruz desde os anos 80, quando se apresentou no Cine Apollo, e outras tantas vezes, inclusive na Oktoberfest. Ele gostava daqui por ser uma cidade universitária, com clima jovem e animado. Como foi bem acolhido por mim e pelos amigos, resolveu sossegar um pouco da maratona numa cidade “pacata, bonita, e com tudo por perto”, ao contrário de uma metrópole. A Edna eu não conhecia antes, só a conheci aqui. Ela gostava de cozinhar e servir o Belchior.
    Ele ficava em casa, lendo, escrevendo e desenhando, mas à noite a gente sentava para o jantar e para conversar sobre música, poesia, literatura em geral, filosofia, teologia, sobre os Luminares da Capadócia… Uma viagem, e com um vinho, claro. Depois da meia-noite, eles viam filmes até de madrugada.
  • Após a morte de Belchior, o senhor chegou a ter contato com a Edna, ou tem informação do paradeiro dela?
    Não tive mais contato. Ela se isolou, tive apenas algumas informações. Primeiro, ela viveu um tempo pelo Ceará; depois foi para Recife; e posteriormente foi para a casa da mãe dela, no interior de São Paulo, onde vive isolada.
  • O que Belchior representa e como o classifica na cena cultural brasileira?
    Belchior é um grande letrista e, nessa condição, dialogou com a realidade e com a literatura nacional e internacional. Conhecia a fundo os clássicos e aprendeu latim no seminário capuchinho. Tinha uma letra gótica fenomenal. Desenhava modernamente e com maestria. Dialogou muito com a juventude; suas canções são hinos para o futuro. Em suas letras, ele cita megaobras, escritores, poetas, cantadores populares, cordelistas, aedos e rapsodos, vates e bardos antigos e modernos.
    Belchior era uma cachoeira de sabedoria. Ao mesmo tempo, tinha um olho atento à realidade cotidiana quando cantou os desafios: “Miseráveis, sempre sem pão e daqui a pouco sem circo”, ele esbraveja numa música. Em outra música, desabafa: “Meninos no esgoto, são ratos, são homens”? E Belchior era cordial. Cantou Meu Cordial Brasileiro, era atencioso e amoroso com as pessoas e, ao mesmo tempo, como letrista, se considerava “um poeta raivoso”, contestador. Dizia nas entrevistas que seu canto “era protestante”, ou seja, de protesto mesmo.
    Além de nossa convivência em sua estada aqui em minha casa e em Santa Cruz, fui a muitos shows e o entrevistei muitas vezes nos 30 anos de nossa amizade. Visitei o túmulo dele em Fortaleza. E meu livro revela tudo isso. Por onde ando, o pessoal me pergunta sobre Belchior, seja aqui, seja pelo país afora, seja no exterior. De fato, sou um belchioriano inveterado. Inclusive, o escolhi para ser patrono de minha cadeira número 12 de nossa Academia de Letras de Santa Cruz, com muita honra, e como singela homenagem perpétua. Espero que esse livro seja revelador e ao mesmo tempo singelo à sua imagem, trajetória e semelhança. Belchior vive!

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