Irlanda do Norte: dividida por nacionalismo, religião e história

Era minha primeira visita à Irlanda do Norte, em 2001, na ocasião do casamento de minha irmã. No caminho do hotel até a catedral católica de São Pedro, na capital, Belfast, o motorista anunciou que precisaria fazer um desvio de rota devido a um veículo que estava em chamas. Tínhamos ali mais um sinal de que os conflitos, embora arrefecidos, ainda estavam longe de serem eliminados.

Em Belfast, a chamada “Linha da Paz” é uma fronteira física de seis metros de altura, construída há 50 anos para dividir duas comunidades de etnias e/ou religiões diferentes. Uma boa parte dela, assim como a atual fronteira com a República da Irlanda, permanece como a materialização de uma divisão profunda, histórica e trágica.

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A Irlanda do Norte surgiu em 1921, na região do norte da Irlanda conhecida como Ulster, quando seis dos 32 condados irlandeses se separaram da recém-independente Irlanda. Desde então, o país é parte do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, nome oficial do país de Charles III.

Embora a tensão religiosa e étnica seja ainda mais antiga, os principais conflitos tiveram início no final do século 16, com as invasões ostensivas do rei James I e, posteriormente, de Guilherme de Orange, monarca protestante importado dos Países Baixos que destronou o católico James II e acarretou ferozes batalhas entre os Jacobitas e as tropas leais a Londres.

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A partir de 1609, a colonização do nordeste irlandês procurou assegurar o domínio britânico da ilha através da ocupação militar e da migração de populações protestantes da Escócia e da Inglaterra, em especial nos condados que hoje formam a Irlanda do Norte. Tais objetivos foram não só plenamente alcançados, mas reverberam até hoje na ilha.

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Sob domínio bretão, os irlandeses passaram por provações e sofrimento. Mais de um milhão de pessoas morreram na Grande Fome de 1845-1849, que causou uma diáspora, principalmente para a América do Norte. O sentimento de que o Reino Unido não agiu para socorrer seus súditos irlandeses reacendeu movimentos étnico-nacionalistas pela independência. Organizações paramilitares surgiram nas décadas seguintes, a mais famosa delas o Exército Republicano Irlandês (IRA).

A partir de 1920, batalhas e acordos geraram uma solução de dois estados, com a República da Irlanda independente e a Irlanda do Norte anexada ao Reino Unido. Nesta, a minoria católica seguiu sofrendo pesados preconceitos. Décadas de polarização e atrito geraram o período conhecido como The Troubles (1969-1998). O IRA recebia armamento do líder líbio Muammar Gaddafi e os grupos paramilitares unionistas eram fornecidos pela África do Sul.

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A entrada de militares da Grã-Bretanha piorou a situação e os nacionalistas se sentiram ainda mais atingidos, culminando na declaração de guerra de Londres contra o IRA. Belfast se tornou um campo de batalha, com áreas católicas e protestantes sofrendo mútuos ataques.

Finalmente, em 10 de abril de 1998, o chamado Acordo da Sexta-feira Santa encerrou o período de maior conflito. Três décadas de guerrilha resultaram em mais de 3.500 mortos – 1.840 deles civis – e mais de 50 mil feridos.

Barreiras bem visíveis: muros conhecidos como Linha da Paz separaram católicos e protestantes

Hoje, o país está muito desenvolvido, ainda que cicatrizes como a Linha da Paz de Belfast permaneçam visíveis. A Irlanda do Norte tem belíssimos locais para visitar, como as formações geométricas costeiras conhecidas como Ponte do Gigante. Em Belfast, o moderno Museu Titanic conta a saga do malfadado navio. Ao lado do museu estão as históricas gruas do antigo estaleiro Harland & Wolf, onde a embarcação foi construída.

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Sob uma máscara religiosa, os problemas da Irlanda do Norte estão mais ligados ao conflito étnico e político que resultou em intolerância generalizada, colonização forçada e descaso por parte dos opressores.

Nesta semana, perdemos uma referência histórica de inclusão, justiça social e tolerância religiosa. O papa Francisco foi fantástico na forma com que tocava em feridas seculares e insistia na reconciliação universal, sem ferir os princípios da Igreja católica. Em um mundo carregado de ódio, hipocrisia e intolerância, podemos ser como Francisco, que viveu e ensinou a verdadeira ética cristã. Na Irlanda, oxalá veremos, nas próximas décadas, uma unificação baseada no exemplo do diálogo corajoso do primeiro papa jesuíta.

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