Um ano após a enchente: Sinimbu, superação e reconstrução

“Sinimbu renasceu.” A frase da ex-prefeita Sandra Backes resume a série de reportagens que serão publicadas nas próximas edições da Gazeta do Sul. São recortes de um capítulo da história do município, que teve sua parte urbana destruída, localidades isoladas e moradores com perdas imensuráveis. Cicatrizes que passam a fazer parte de suas vidas para sempre, e que ecoarão na eternidade. 

Mais de cem estabelecimentos foram afetados e empresários viram, sem nada poder fazer, anos de trabalho e dedicação serem levados pela água. Como disse a ex-prefeita, relembrar 30 de abril de 2024 é pôr o dedo numa ferida que não quer cicatrizar. Os moradores e lideranças entrevistados para esta série não conseguiram evitar que as lágrimas surgissem por conta da apreensão, angústia e dor pelas perdas que tiveram, além de relembrar do apoio recebido e de todo o trabalho para se reerguer novamente.

Terra arrasada? Não em Sinimbu

Lamento, medo e ansiedade, mas também muita força de vontade para ter a vida normalizada novamente, com o negócio em atividade e a cidade arrumada e bonita. Esse é o sentimento de grande parte dos moradores e, principalmente, empresários da zona urbana de Sinimbu, um ano depois da enchente que atingiu a cidade do Vale do Rio Pardo e destruiu completamente o comércio, às margens do Rio Pardinho. 

Com pouco mais de 8,5 mil habitantes e 33 anos de história, Sinimbu renasceu em 2024. O dia 30 de abril jamais sairá da memória da população do município, distante pouco mais de 20 quilômetros de Santa Cruz do Sul, e que foi um dos primeiros a ser afetado com a enchente que assolou o Estado. Como resquícios, muitas perdas materiais, danos estruturais em espaços públicos e privados, mas, sobretudo, marcas irreversíveis na alma de quem viveu esse drama e sobreviveu ao caos. 

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Na parte central da cidade, mais de 120 estabelecimentos, somando mais de 90% do comércio, tiveram prejuízos com perdas de mercadorias e estoques, afetando o abastecimento e a economia. “As águas invadiram a cidade com muita força e correnteza, deixando a cidade destruída. Todos os prédios públicos, escolas, postos de saúde, biblioteca pública, Cras, centro administrativo, supermercados, farmácias, parte do hospital, todas as lojas, todo o comércio haviam sido destruídos pela força das águas. Estávamos sem energia, sem água, sem comunicação, sem remédios, sem comida e sem acesso às comunidades”, relembra a ex-prefeita Sandra Backes.

Na avaliação da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Sinimbu (Cacis), ao menos nove empreendimentos não reabriram após a catástrofe. Outros fizeram, a partir da escassez, brotar a coragem, reabriram e se reinventaram e, como diz uma estrofe do hino do município, “No coração, muita fé e esperança”.

Foto: Alencar da Rosa / Banco de Imagens / GS

“No primeiro dia, quando foi possível caminhar pela rua, vi as pessoas com uma força extraordinária, que olhavam para o céu com esperança. E assim começou o processo de reconstrução. Se contar, milhares de pessoas deram as mãos para Sinimbu e, num cenário de guerra, com helicópteros e caminhões do Exército, faziam de tudo para ajudar, desde limpeza, comida e doações para recomeçar. Isso não tem preço”, salienta o atual prefeito, Wilson Molz. 

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Sandra Backes, prefeita na época, além de lidar com perdas pessoais como o empreendimento da família, precisava naquele instante tomar decisões, acolher os atingidos no pavilhão da comunidade e mobilizar pessoas, entidades, empresas e municípios para garantir ajuda humanitária a fim de sobreviver.
“Liderar, mobilizar e coordenar era fundamental naquele momento de dor”, salienta Sandra. Logo houve a instalação de um comitê de crise, com a participação de secretarias e entidades, para dividir as tarefas e planejar ações. 

Ela recorda que helicópteros, jipeiros e trilheiros auxiliaram para resgatar pessoas, levar medicamentos e alimentos. “O Exército, com seus caminhões e tanques, nos auxiliou muito, atravessando nos lugares mais difíceis. Bombeiros, Brigada Militar, Delegacia Regional da Polícia Civil, todos envolvidos nessa importante ação.” Ministério Público e Tribunal de Contas também prestaram ajuda na tomada de decisões. O levantamento de dados era crucial em meio ao caos.

“Não tínhamos acesso e precisávamos desobstruir caminhos para conseguir fazer levantamentos de todos os prejuízos, o que era fundamental para alcançar recursos para a reconstrução.” Sandra ressalta que todos os projetos cadastrados foram aprovados, num valor correspondente a cerca de R$ 50 milhões. “Mas, infelizmente, a burocracia torna os processos lentos e mais demorados.” 

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De acordo com dados da Prefeitura, os prejuízos superaram os R$ 100 milhões. Além disso, toda a população foi impactada com a catástrofe de algum modo. Segundo a administração municipal, cerca de 2 mil pessoas foram atingidas diretamente e outras 6,5 mil de forma indireta. “Onde o rio não chegou, houve deslizamentos e estradas interrompidas, e as pessoas ficaram isoladas e desabastecidas. Sem postos de saúde, sem remédios, sem comida, sem luz e sem água”, relembra a ex-prefeita.

“Uma ferida que não quer cicatrizar”

Sirenes de viaturas da Brigada Militar e do Samu anunciavam, ainda de madrugada, que o 30 de abril seria diferente. A água dos rios Pardinho e Pequeno estava subindo gradativamente e medidas de precaução começavam a ser tomadas. “É muito dolorido relembrar aquela madrugada quando tudo começou. Sirenes ecoando para alertar as pessoas que teríamos uma enchente e poderia ser maior do que estávamos acostumados”, diz a ex-prefeita Sandra Backes.  

As águas saíram do leito do Rio Pardinho e invadiram a cidade em torno das 7h30. As primeiras ações dos moradores e dos comerciantes foram erguer móveis e mercadorias. As ruas começaram a ser bloqueadas, serviços foram suspensos e a recomendação era de evacuação dos locais de risco e alojamento de pessoas na Comunidade Evangélica. “Foi tudo muito rápido, mas ainda não causando tanto prejuízo”, lembra a então prefeita. 

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Por volta das 11 horas, a água baixou e as pessoas começaram a limpar as casas e comércios. “Ninguém imaginava que o pior estava por vir. As fortes chuvas levaram morros, muitas árvores, casas e pontes. Não tem como não me emocionar, quando lembro de tudo isso.” 

Por volta das 13 horas, os cerca de 400 milímetros de chuva que caíram na região de forma incessante elevaram de forma rápida o nível da água no rio. Este invadiu com força a cidade e destruiu a Ponte Centenária, principal acesso do centro da cidade para localidades do interior, como Rio Pequeno e Linha Verão. Também arrancou paredes e muros, estourou vitrines e janelas e arrastou bens e pessoas. 

Um homem de 41 anos que estava em visita no município ficou horas ilhado, agarrado a uma árvore, mas não resistiu e a correnteza o levou. O corpo foi localizado oito dias depois, a cinco quilômetros de onde desapareceu. 

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Na parte urbana, o cenário de guerra era desolador. Quando as águas baixaram, tudo estava tomado por barro, entulhos, destroços, mercadorias e insumos que, das prateleiras do comércio, agora estavam espalhados pelas ruas. Sem eletricidade, água, comida e combustível, e com as estradas intransitáveis, a situação tornou-se inimaginável para quem não a viveu. Mas quem esteve no local não esquece dos detalhes, que ainda doem e não se apagarão da memória tão cedo.

“Vi pessoas chorando, se abraçando, incrédulas, pelas ruas. Quando começaram a chegar ajuda e doações, não tinha nem um banco para sentar no centro da cidade, para comer os lanches que se estava recebendo”, conta o prefeito Wilson Molz. 

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Depois dos salvamentos, era hora de reunir forças e arregaçar as mangas, mesmo molhadas da chuva que não cessava, e da água e da lama que precisavam ser retiradas dos estabelecimentos e casas. Entre choros, lamentos e abraços, o trabalho foi reforçado por milhares de voluntários e por mantimentos que logo chegaram à cidade, mesmo que com muita dificuldade, por conta de bloqueios.

“Estar diante de uma catástrofe e saber que não estávamos sozinhos foi muito importante. A resiliência, a esperança e a fé são o que nos move e nos faz acreditar que Sinimbu renasceu e, com a união das pessoas, se tornará mais forte ainda”, destaca a ex-prefeita Sandra Backes.

“A comunidade precisava da gente”

Foto: Foto: Alencar da Rosa /

O impacto econômico no comércio não foi mensurado pela Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Sinimbu. Mas ter mais de 120 estabelecimentos atingidos, sem que pudessem abrir as portas por um longo período, comprometeu a economia do município.

“A gente sabia que não se podia ficar parado. O comércio tinha que reabrir, a população precisava da gente. Serviços, mantimentos precisavam estar à disposição o quanto antes das pessoas, e os próprios empregos que esses locais possibilitam estavam comprometidos, os funcionários, tudo que faz a economia girar estava afetado no município”, afirma o presidente da Cacis, Thomas Koch.

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O dirigente da entidade conta da dificuldade enfrentada por quase 100% dos comércios de bens e serviços para reabrir as portas após a catástrofe. “Ficamos praticamente duas semanas sem luz e água, sem acesso para outros municípios e principalmente para o interior.” As primeiras lojas foram abrir de forma parcial, improvisada, quase 30 dias depois. A retomada dos atendimentos ocorreu de maneira gradual.

Um ano depois, Thomas enfatiza que alguns estabelecimentos ainda não estão operando da mesma forma como antes. “Mas é preciso destacar a força de vontade dessa gente que, no dia seguinte ao ocorrido, já iniciou a mobilização. Os comerciantes limpavam seus estabelecimentos, e o vizinho do lado já se motivava a recomeçar também.”

Impactos sem precedentes

Segundo a Fecomércio-RS, os dados da atividade econômica mostram que o movimento de recuperação está em curso, mas as perdas patrimoniais provocadas pela tragédia seguem impactadas. A estimativa da federação é de que as perdas empresariais por danos físicos em áreas inundadas fiquem em cerca de R$ 20 bilhões. Em razão da enchente, 95 municípios tiveram situação de emergência decretada. 

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O presidente da Fecomércio, Luis Carlos Bohn, destaca que, além das perdas patrimoniais e empresas afetadas na área de inundação, todo o fluxo da atividade gaúcha foi duramente afetado.

Segundo ele, as perdas de faturamento impuseram enormes custos ao setor empresarial, que, diante da falta de medidas mais abrangentes para empresas fora da área de inundação, tiveram na descapitalização, de empresas e sócios, a forma de enfrentar as dificuldades impostas pela tragédia. “Os impactos foram sem precedentes, e as sequelas sobre nossa estrutura produtiva e a capacidade de investimento também.”

Para saber

Esta é a primeira de uma série de reportagens que contará histórias de impacto e superação, e ações realizadas em prol do recomeço do comércio e da comunidade de Sinimbu após a enchente. Na próxima edição, traremos relatos de empresários que tiveram seus negócios fortemente afetados pela enchente em abril e maio de 2024. E, com resiliência e apoio, reabriram as portas.

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