O levantamento de dados sobre a população com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é fundamental para a adoção de políticas públicas de inclusão. Entretanto, o Brasil carece de informações a respeito desse público, o que dificulta a sua inserção no mercado de trabalho.
A apuração mais recente foi publicada em setembro de 2023. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) estimou que 18,6 milhões de pessoas com 2 anos ou mais formam a população com deficiência. Metade, 10,7 milhões, são mulheres.
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“A falta de inclusão de pessoas com deficiência é agravada pela escassez e inconsistência dos dados estatísticos no Brasil, o que compromete tanto o monitoramento das políticas públicas quanto a formulação de estratégias empresariais eficazes”, afirma a advogada Lisandra Metz. Conforme a fundadora da Realidade Acessível, apesar dos avanços metodológicos da PNAD Contínua 2022, realizados em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ainda existem barreiras, como a falta de acessibilidade nas tabelas divulgadas e a ausência de indicadores específicos sobre essa temática nos painéis interativos no SIDRA. “Essa lacuna dificulta o acesso às informações por pessoas com deficiência e prejudica a análise sobre inclusão no mercado de trabalho.”
Na contramão, o Estado faz anualmente a pesquisa intitulada Características da população com autismo no Rio Grande do Sul. Divulgada pela Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades (Faders), vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), a apuração tornou-se um importante banco de informações para identificar os desafios e as necessidades desse grupo. Aponta também as desigualdades pelas regiões e municípios.
O estudo foi realizado a partir do número de solicitações da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) aprovadas entre junho de 2021 e janeiro de 2025. Ao todo, 33.169 foram aceitas, abrangendo indivíduos de 485 (98%) municípios.
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No momento em que o cidadão faz o pedido da carteira, responde a cerca de 40 questionamentos. Isso inclui, por exemplo, o acesso à educação e nível de escolarização, renda familiar e inclusão no mercado de trabalho. “E é em cima dos dados que eles fornecem que podemos realizar a pesquisa e trabalhar para que as políticas públicas possam acontecer”, diz o presidente da Faders, Marquinho Lang.
Na quarta reportagem da série Abril Azul, Lang explica a necessidade dos dados e o que eles representam para a luta dos autistas no mercado.

Entrevista – Marquinho Lang, presidente da Faders
- Gazeta do Sul – Qual a importância do levantamento das características da população autista?Nossa pesquisa é a única no País nesse estilo e talvez a única do mundo. Sem ela, não temos como buscar dados importantes que possam nortear as políticas públicas. Nessa última pesquisa, por exemplo, 85% das famílias que têm pessoas com autismo têm uma renda per capita igual ou inferior a 1,5 do salário-mínimo nacional. O que isso significa? Que elas não têm condições de buscar um acompanhamento sem o aporte do poder público. Outra questão que vemos muito claramente é que 33% das pessoas com TEA têm outros casos na família. Então, fica bastante claro que isso é genético. Assim, a cada três, uma tem mais pessoas na família identificadas. E nós trabalhamos com a pesquisa sobre o viés de 33.169 carteiras. Hoje o recorte que temos é de que, a cada 36 nascimentos, uma pessoa tem o transtorno. Trazendo para o Rio Grande do Sul, que são 11 milhões de habitantes, nós teríamos, tranquilamente, mais de 300 mil pessoas com autismo atualmente.
- A partir do levantamento, qual é o perfil do autista no Rio Grande do Sul? Só para te dar uma ideia, 72% das pessoas hoje com TEA são do sexo masculino. Então, tu imagina, a cada dez pessoas com autismo, sete são meninos. E o que significa isso? É um trabalho a mais que deve ser feito exatamente para nortear as políticas públicas. E já percebemos uma diferença. Na pesquisa de 2024, ainda havia uma tendência clara de que teríamos praticamente quatro meninos para uma menina. Agora essa tendência já diminuiu. Dentro da pesquisa, constatamos, por exemplo, que 55% dessas 33.169 carteiras são de crianças de zero a 7 anos. Isso nos dá uma esperança muito grande, porque as pessoas estão buscando laudo o mais precocemente. O que auxilia muito para a evolução dessa criança. Passando, por exemplo, dos 18 anos de idade, o número diminuiu. E acima dos 50 e 60 anos, nem se fala. Mas estamos evoluindo muito em relação às outras pesquisas.
- E o que a pesquisa evidencia a respeito da inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho? Em nossa última pesquisa, tínhamos em torno de 36% de pessoas acima dos 18 anos no mercado de trabalho. Agora, chega a quase 40%. Isso dá um alento a mais, mostrando que essas pessoas estão buscando seu espaço. Mas ainda tem muita coisa para acontecer. E nós sabemos quais são as maiores dificuldades. A questão atitudinal dentro dos locais de trabalho, por exemplo.
Tentamos reiterar, com as ações da Faders, que essas pessoas com TEA busquem o seu espaço e os seus direitos para que tenham melhor qualidade de vida. - E quais constatações foram levantadas a respeito da efetividade da lei de cotas? Percebemos que somente 8% desses 41% estão empregados por meio das leis de cotas. Isso se deve à falta de conhecimento e de informação. E isso é fundamental porque gera empatia e um acolhimento melhor. Mas o que acontece é que como não há a informação de que, desde 2012, os autistas passaram a ser considerados pessoas com deficiência, acabam não indo buscar o espaço na lei de cotas. Então, nós precisamos trabalhar muito mais a comunicação. E esse trabalho que a Gazeta do Sul está fazendo é fundamental, porque vai evidenciar quais os direitos das pessoas com autismo.
- É possível elencar os desafios enfrentados por autistas no acesso ao emprego? A capacitação e a preparação desse profissional. No momento que o autista é identificado, é possível saber o que está faltando para que busque espaço na sociedade. Por isso, a atuação dos municípios é fundamental. Não é para colocar nas costas do poder público municipal a responsabilidade, não. É para que o poder público municipal possa fazer a identificação das pessoas. Se não tivermos os números e os dados, dificilmente vamos chegar lá na ponta, na pessoa que está precisando de acolhimento. É através disso, sabendo quem é esse indivíduo, que poderemos prepará-la para o mercado de trabalho.
- Com base nas informações apuradas, quais ações a Faders sugere para que a inclusão no mercado de trabalho seja efetivada? O que reiteramos é que mais pessoas façam a Ciptea. Imagina, chegamos agora a 35 mil. Quando fizemos a pesquisa, eram 33.169. Mas está muito aquém do número de pessoas com autismo do Rio Grande do Sul. Temos ações voltadas à empregabilidade da pessoa com deficiência. Mas não conseguimos atingir todas as regiões. Precisamos preparar essa pessoa com deficiência para que ela busque a sua dignidade, a sua cidadania e se sinta mais acolhida pela sociedade.
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Maioria dos autistas do Estado são meninos
- 1. Os registros estão mais concentrados nas regiões de maior densidade populacional, especialmente Região Metropolitana de Porto Alegre, associada ao Corede Metropolitano Delta do Jacuí, que responde por 29,66% (9.838) das carteiras aprovadas no Estado. Entre os demais 27 Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), o do Vale do Rio dos Sinos aparece em segundo lugar, com 13,84% (4.590) dos registros. Em seguida está o Corede Sul, com 9,23% (3.060). Já o Vale do Rio Pardo aparece em nono lugar, com 2,52% (837).
- 2. Seguindo a tendência reconhecida na literatura científica nacional e internacional, o TEA apresenta maior prevalência entre indivíduos do sexo masculino. Ao todo, 72,35% das pessoas com a carteira são homens e 27,48% são mulheres. Trata-se de um padrão consistente com estudos anteriores.
- 3. Conforme a pesquisa, a diferença pode ser explicada por uma série de fatores. Um deles é de que mulheres e meninas com TEA muitas vezes desenvolvem estratégias de camuflagem social e podem mascarar os sintomas. Isso dificulta o reconhecimento do transtorno por profissionais de saúde e educação.
- 4. A maior concentração dos gaúchos portadores da carteira está nas faixas etárias mais jovens, sobretudo de 2 a 3 anos (20,94%) e de 4 a 5 anos (20,22%). Juntos representam 41,16% dos registros. Isso aponta a relevância do diagnóstico precoce e do acesso às políticas públicas voltadas à infância. A partir da adolescência, é observada uma redução acentuada na quantidade de pessoas cadastradas. A partir das faixas etárias adultas e idosas, a tendência de redução também se mantém, já que apenas 6,25% dos registros são de indivíduos com mais de 31 anos.
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