
Pacientes com endometriose têm sido tratadas como se sofressem de ansiedade ou bipolaridade. No fim de março, a “Smithsonian Magazine” publicou ótima reportagem na qual alerta para o calvário de muitas mulheres que, com doenças de difícil diagnóstico, são mandadas para casa com receitas de medicamentos para tratar ansiedade ou transtorno de bipolaridade (que se caracteriza por intensas alterações de humor).
Jessica Wetzstein: 14 anos consumindo remédios tarja preta até ser descoberto que tinha adenomiose uterina
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Graças ao trabalho de Shreyas Teegala e Simar Bajaj – o primeiro é estudante e assistente de pesquisa na faculdade de medicina da Universidade Vanderbilt, enquanto o segundo estuda epidemiologia na Universidade de Oxford – acompanhamos a história de Veronika Denner. Mesmo apresentando sintomas preocupantes como sangue nas fezes, bexiga hiperativa e dor severa na região da pelve, sua condição foi diagnosticada como estresse depois que o médico a submeteu a exames de sangue e ultrassom. Inconformada, ela procurou diversos profissionais e chegou a ser chamada de “rainha do drama”.
Na verdade, Denner tinha uma forma agressiva de endometriose, doença que afeta cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva, mas estava sendo medicada com ansiolíticos. Estima-se que pelo menos um terço das pacientes com o problema receba um diagnóstico errado – quase sempre associado a um quadro de transtorno mental – que pode atrasar o tratamento correto em até quatro anos. Mulheres com lúpus e outras doenças autoimunes, aquelas que se originam no próprio sistema imunológico e que, equivocadamente, atacam células e tecidos do corpo, relatam histórias semelhantes, como se estivessem fabricando sintomas.
E por que as mulheres são os alvos mais frequentes desse tipo de diagnóstico equivocado? Além do “gaslighting” médico, que é quando as queixas do paciente são ignoradas, a saúde mental vem se tornando uma espécie de bode expiatório para casos complicados. O resultado? Erros que podem causar danos graves. No caso da endometriose, muitas vezes só é possível confirmar o diagnóstico depois de uma laparoscopia, quando o médico faz uma pequena incisão no abdômen e insere uma câmera e instrumentos cirúrgicos – por isso é indicada quando os exames de imagem dão negativo.
Denner concluiu que os médicos têm grande dificuldade em demonstrar qualquer incerteza, porque foram ensinados a sempre oferecer a resposta correta para o problema. Teegala e Bajaj conversaram com profissionais que reconhecem que, nos cursos de medicina, todos aprendem a seguir o script: se os sintomas A, B e C estão presentes, o diagnóstico é fechado. Se há algum ruído no processo, com frequência é o paciente que sai perdendo.
A canadense Jessica Wetzstein se tornou uma influenciadora digital com centenas de milhares de seguidores ao narrar suas desventuras médicas e virar porta-voz de pacientes com dores crônicas: “tenho conhecidas com Doença de Crohn que, ao relatar seus sangramentos, eram interrompidas pelo médico, que queria se certificar se elas tinham certeza de que não se tratava de menstruação. Ou seja, parece que mulheres são incapazes de descrever sua própria experiência”, ironiza. Em seus vídeos, conta como passou 14 anos consumindo remédios tarja preta até ser descoberto que tinha adenomiose uterina, quadro em que o tecido endometrial cresce na parede muscular do útero, causando sangramento menstrual intenso, cólicas e forte dor pélvica.
Endometriose atinge 1 a cada 10 mulheres, mas diagnóstico pode ser demorado