Roteiro turístico traz novo olhar ao campo

O isolamento social provocado pela pandemia gerou uma mudança no comportamento de grande parte dos brasileiros. Diante do enclausuramento nas residências, cresceu o desejo de conhecer pontos turísticos ao ar livre, longe do agito dos centros urbanos, e de estar em meio à natureza.

Conforme estudo da Meta (responsável por administrar as principais redes sociais no Brasil), em 2022, 55% entre 500 entrevistados considerava que viajar era muito importante para as suas vidas. Também evidenciou que 60% planejava roteiros no interior do País, tornando-se oportunidade de turismo interno.
Perante esse contexto, uma pequena revolução iniciou-se no interior de Santa Cruz do Sul. A demanda pelo turismo rural estimulou os moradores a ressignificarem as suas propriedades rurais. Belezas naturais, edificações, tradições e gastronomia, até então restritas às famílias, se transformaram em uma experiência, atraindo visitantes de todas as partes.

Desse modo, o turismo rural tornou-se uma próspera fonte de renda para os proprietários. Atentos a essa oportunidade, o número de empreendimentos voltados a receber visitantes aumentou na região. 
A empreitada, entretanto, não se resumiu a ganhos econômicos. O interesse dos turistas na história local fez com que as comunidades passassem a resgatar, valorizar e preservar ainda mais a cultura de seus antepassados.

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Com o turismo no interior já consolidado, os empreendedores do segmento trabalham em uma nova empreitada, que promete ser um marco: a criação de um roteiro turístico. A iniciativa permitirá que os visitantes possam conhecer, em um dia, as principais atrações que o interior de Santa Cruz
tem a oferecer.

A turismóloga Claudiana y Castro, instrutora de Turismo Rural do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), explica que, diferente de uma rota turística, que perpassa mais de um município, o roteiro contempla um único território. Na sua avaliação, a implementação torna-se importante porque entrega ao visitante uma experiência diferenciada, que ele quer vivenciar.

Além de lazer e acolhimento, as propriedades rurais podem permitir a quem chega participar da produção e do processamento de alimentos. 

“O turista busca essas experiências, ele quer vivê-las. Ter uma oficina de cuca para oferecer ao turista, para que ele coloque a mão na massa, para ver como é produzir um alimento tipicamente alemão, ou a experiência de um churrasco de chão, tudo isso é relevante”, salienta.

E a formatação do roteiro, segundo a especialista, é extremamente relevante, por entregar ao visitante a oferta do produto, assim como a precificação, com dias, horários e detalhes do serviço de guia. Por três anos, Claudiana realizou treinamentos, capacitações e visitas técnicas no interior do município, em uma parceria que incluiu a Associação de Turismo do Vale do Rio Pardo (Aturvarp), a Emater/Ascar e a Prefeitura de Santa Cruz.

Na sequência, os interessados se mobilizaram para criar um roteiro chamado Cantos e Encantos Rurais. A atração envolve parte dos empreendimentos que integram a Associação de Turismo Rural de Santa Cruz do Sul. Criada em 2022, ela conta atualmente com 23 associados, a maioria empreendedores já estabelecidos ou em desenvolvimento, além de uma agência de turismo.

O presidente da associação, Alexandre de Crescenzo Guedes da Luz, destaca que o itinerário foi elaborado para oferecer uma experiência que combina a simplicidade do campo com a cultura, a gastronomia e a história local. “As pessoas vão poder colocar a mão na massa, aprender artesanato, preparar uma comida típica alemã. É algo intenso e que vai proporcionar momentos inesquecíveis”, garante.

Inicialmente, foram selecionados cinco estabelecimentos para o itinerário. A escolha, conforme o presidente da entidade, foi por aqueles que estavam preparados para serem visitados e poderiam oferecer a experiência almejada. Futuramente, esperam realizar mais atividades com os associados que estão surgindo e que em breve poderão integrar a ação.

Conforme o presidente, o Cantos e Encantos Rurais promete ser a grande aposta da associação para atrair turistas de fora. O objetivo é atender grupos formados por pelo menos 20 pessoas. “É voltado para aqueles que vão ficar aqui por pelo menos dois dias e querem dedicar um a uma experiência no interior”, afirma.

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E o nome do roteiro contempla as atrações e os belíssimos locais presentes no interior. “Temos aqui vários cantos e cada um tem algo de diferente para encantar os visitantes”, explica Alexandre.
Na visão do proprietário do Sítio Thomas Ecke, os resultados beneficiarão não apenas os integrantes das associações, mas toda a rede hoteleira e gastronômica, além do comércio local. “Será algo revolucionário e diferente para alavancar o turismo em Santa Cruz do Sul.”

Potencial

Para a turismóloga Claudiana y Castro, graduada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e que atua na área desde 2007, o turismo rural tem evoluído muito desde a virada do século. “Desde o ano 2000, já tínhamos empreendimentos que se desenvolviam pela atividade de acolhimento, oferta de alimentação, hospedagem e entretenimento, e se cresceu muito em ofertas de experiências no meio rural”, destaca.

Na sua avaliação, o município está “recheado de muitas oportunidades”. “Não podemos dizer nem mais potenciais e sim ofertas e oportunidades de que o turista, visitante, cidadão pode desfrutar, e viver essa experiência. Não só Santa Cruz, mas também o Vale do Rio Pardo. Temos uma gama de ofertas nos mais variados segmentos e muito bem-recheados de ofertas. Temos que nos posicionar cada vez mais enquanto município e região, para o Estado, o Brasil e o mundo.”

Claudiana destaca que, para isso, é necessário que os empreendimentos divulguem suas propriedades nas redes sociais, evidenciando suas propostas e vivências, e as experiências diferenciadas para seu público-alvo. “Tem que cativar o cliente visitante. E ele vai escolher, dentro de um universo de ofertas, o que ele quer viver. Então, o posicionamento do empreendimento, conforme o seu público-alvo, é importantíssimo”, reitera.

1 – Recanto Aromas do Monte 

A manhã iniciaria com a produção de uma das principais tradições culinárias dos alemães presentes em Santa Cruz: a cuca. Depois de aprenderem a prepará-la, os visitantes terão a oportunidade de caminhar e aproveitar os campos de cultivo de alecrim, capim limão e lavanda. Para encerrar a primeira etapa, é servido um café colonial preparado pela família.

2 – Nó de Pinho Arte em Madeira

Os visitantes vão conhecer não apenas a loja, mas a marcenaria, que trabalha com peças de decoração em madeira de demolição e reaproveitamento de madeira produzidas artesanalmente e que carregam uma história afetiva. Depois disso, terão a oportunidade de personalizar ou acompanhar a confecção de objetos de decoração.

3 – Sítio Thomas Ecke

Na terceira parada, será o momento de colocar a mão na massa. Ou melhor, na terra. No caso, vivenciar o plantio e a colheita de hortaliças orgânicas, em uma horta com formato de uma mandala. Já no almoço, o grupo degustará um autêntico churrasco gaúcho: costelão feito no fogo de chão. Para harmonizar, será servida uma cuca típica da região.

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4 – Sítio Pedagógico Paraíso

Considerada um dos berços dos primeiros imigrantes alemães, a propriedade rural é conhecida por um casarão de pedra de 1870 e que serve como um memorial dos colonizadores. Além de visitá-lo, há passeios por jardins rupestres, bioconstruções, eco contêineres e o relógio do sol. A visita é complementada com a interação com os animais da propriedade, a degustação de frutas da época e uma pequena trilha, que leva a um banho de floresta.

5 – Brasiliana Cozinha Criativa 

Para encerrar o roteiro Cantos e Encantos Rurais, os visitantes poderão desfrutar as delícias preparadas pela cafeteria gourmet em um local junto à natureza. A experiência gastronômica é potencializada pelos aromas e sabores do menu, combinado com o ambiente tranquilo e harmonioso.

Para saber

As propriedades que integram o roteiro Cantos e Encantos Rurais são apenas parte dos 23 integrantes da Associação de Turismo Rural de Santa Cruz do Sul. Oferecem série de atividades em meio à natureza, com gastronomia, hospedagem e espaço para eventos, além de comercialização de produtos e alimentos produzidos pelos moradores. Mais informações estão no Instagram @turismorural_santacruzdosul

Uma experiência olfativa e visual

O perfume do café colonial se mistura com o da lavanda produzida no Recanto dos Aromas do Monte. Primeira parada do roteiro Cantos e Encantos Rurais, a propriedade situada em Monte Alverne pertence à família Siebeneichler há mais de um século. As irmãs Márcia, Laura e Cristiane, filhas do casal Ruben e Erica, decidiram compartilhar as tradições familiares com os visitantes.

Elas servem um cardápio produzido quase que inteiramente na casa, incluindo linguiça, cuca, bolachas, nata, suco e uma água aromatizada. “É realmente um café da colônia”, defende Márcia.

A produção de lavanda, capim limão e alecrim – utilizados para confecção de produtos, além das cascatas, tornaram-se atração para os visitantes. Márcia diz que o empreendimento é mostra de como os moradores do campo podem tornar a estrutura de suas moradias fonte de renda e tornar-se local para geração de memórias.

Um sítio voltado à cultura e à natureza

A cultura ganha destaque no Sítio Thomas Ecke. Situado em Rio Pardinho, a propriedade de Alexandre de Crescenzo Guedes da Luz consolidou um evento diferenciado na região: a noite das lanternas, inspirado nos tradicionais festivais de lanterna realizados na Ásia. Na Tailândia, o público aproveita para expressar suas esperanças e sonhos, seguindo as crenças budistas.

A cada edição, o evento tem aumentado o número de visitantes, superando os 400 participantes. Diante do sucesso, Alexandre levou para o belíssimo gramado o Cinema no Sítio, em parceria com o Sesc Santa Cruz do Sul e a Film Commision, cuja primeira edição ocorreu em fevereiro. O objetivo, segundo o empreendedor, é ter programações mensais e proporcionar uma experiência cultural em meio à natureza.

Na visão de Alexandre, as experiências bem-sucedidas podem servir de lição a outros empreendimentos ligados ao turismo rural. “Se tu tens uma ideia, vai atrás. Primeiro tu faz, começa pequeno, mas não te abate. Vai atrás e busca uma parceria”, destaca.

Valorização do campo é desafio para o turismo

Na visão do presidente da Associação de Turismo Rural de Santa Cruz do Sul, Alexandre de Crescenzo Guedes da Luz, o principal entrave dos empreendimentos é atrair visitantes locais. E, apesar do interesse por atividades no campo, pondera que os santa-cruzenses visitam este tipo de destino fora do município.
“Todo mundo está careca de saber dos nossos potenciais e das belezas naturais. E Santa Cruz do Sul possui um poder aquisitivo superior à média estadual. Porém, os nossos munícipes preferem viajar para outros destinos”, pondera.

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Para Guedes, além de aperfeiçoar a divulgação dos pontos turísticos, evidenciando as atrações e os diferenciais, a associação também quer chamar a atenção das agências de turismo receptivas. Além de contribuir na organização da viagem, este tipo de serviço fornece informações sobre os locais e presta assistência aos turistas durante a estadia.

O atendimento de acolhimento e receptivo é oferecido pela agência Turismo dos Vales, que integra a associação. Além de recepcionarem os turistas, os agentes desta modalidade também atuam como guia para desfrutarem das belezas locais. O empreendimento tem o propósito de conectar os turistas e os empreendimentos rurais do município e da região.

Apaixonadas pelo interior, a administradora Bruna Bogorni e a professora de História e Geografia Clarice Lia Scherer uniram o entusiasmo e seu conhecimento para desenvolver experiências imersivas, que envolvem meio ambiente e cultura.  “Acreditamos que o turismo pode ser uma forma sustentável e inovadora de valorização do meio rural, contribuindo para a economia local e promovendo a cultura da região”, destaca Bruna.

As atividades oferecidas incluem passeios exclusivos personalizados, com destinos distantes da área urbana, permitindo que os turistas desfrutem de ambientes naturais em locais preservados. Mais do que isso, a dupla explora os pontos, evidenciando suas histórias e tradições a partir de atividades culturais e gastronômicas.

As duas profissionais destacam que o interior de Santa Cruz possui uma diversidade de pontos para serem visitados. No próximo roteiro a ser ofertado pela agência, levarão os turistas a destinos como Rio Pardinho e Boa Vista, que incluem gastronomia típica e patrimônios arquitetônicos, além de atrações naturais.

Os potenciais, segundo ela, são enormes e contribuem para que a comunidade local valorize as atrações turísticas da cidade. Neste sentido, a agência tem a finalidade de redescobrir a região e valorizar as suas riquezas. 

“Muitas vezes, por nascermos ou morarmos por muito tempo no mesmo lugar, nos acostumamos à rotina e deixamos de enxergar as histórias e paisagens que nos cercam. Queremos despertar esse olhar curioso e encantado, valorizando o que temos de mais especial”, afirma Clarice.

Mapeamento apontou melhorias para o interior

Empossada em janeiro, a secretária municipal de Turismo, Jaqueline Marques de Souza, realizou recentemente o trajeto do roteiro Caminhos da Imigração e a Rota Germânica do Rio Pardinho, no intuito de elaborar ações para a pasta. Durante as visitações, pôde observar os desafios relacionados à infraestrutura, desde a situação das estradas e a falta de placas de identificação e localização.
“Senti falta disso especialmente no Caminho da Imigração, que é longo. O ideal seria ter uma placa a cada 500 metros pelo menos. São questões que pudemos pontuar para futuramente tornar a experiência aos turistas mais satisfatória, para que eles transitem com facilidade”, explica.

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Já um dos trechos que necessita de atenção é entre a Linha Santa Cruz até Rio Pardinho. “É extremamente importante para nós que essa parte esteja asfaltada. Isso vai ser um salto significativo em relação ao turismo que está no nosso planejamento.”

Jaqueline destaca ainda os estragos provocados pelas enchentes na Rota Germânica. Segundo ela, muitos estabelecimentos acabaram fechando ou ainda não retomaram as atividades, o que requer que a secretaria atue para valorizar e estimular a recuperação dos empreendedores. Ela também constatou problemas no Mirante situado em Boa Vista. Como alternativa, estuda instalá-lo em um local mais elevado, proporcionando uma vista diferenciada. “Ele praticamente não existe mais, se desfez com o tempo. O mato tomou conta, não há uma visão nenhuma”, afirma. 

Há ainda outras ações estudadas. Para a Linha Santa Cruz, por exemplo, Jaqueline menciona um projeto de arborização e a construção de um pórtico no bairro.

Para além das melhorias estruturais, a secretaria planeja ações para valorizar e evidenciar o turismo rural em Santa Cruz. “É importante desenvolvermos a cultura de uma cidade turística. E estamos começando isso pelas crianças, para que elas conheçam o nosso interior e a nossa história”, reitera a secretária.
Na avaliação da titular do Turismo, o que falta para estimular os moradores a incluir o município em seus roteiros turísticos é o investimento e a maior divulgação das atrações disponíveis. Defende ainda que não é preciso viajar para fora do Estado ou do País em busca de momentos inesquecíveis. “Não precisa ir para grandes metrópoles ou lugares caros. Temos uma experiência única na nossa comunidade. Nós não deixamos nada a dever em relação a grandes lugares no mundo inteiro, mas muitos ainda não nos conhecem.” 

Cinema em cena

Outra estratégia que vem sendo articulada e promete alavancar o turismo no interior são as atrações voltadas ao cinema. A Secretaria Municipal do Turismo, em parceria com a Santa Cruz Film Commission, elaborou uma rota cinematográfica com 60 pontos mapeados que já serviram para filmagens, seja para captação de imagens ou para gravações de filmes.

A secretária Jaqueline Marques de Souza destacou que, no ano passado, Santa Cruz do Sul, por meio da sua comissão, foi eleita a melhor cidade para filmagens no Estado. Também mencionou o longa-metragem InfiniMundo, de Diego Müller e Bruno Martins, gravado no interior da região e que conquistou o prêmio de Júri Popular no Festival de Gramado. As paisagens do município, assim como as de Sinimbu, também foram exibidas durante a projeção do filme nos Estados Unidos, em um dos maiores festivais brasileiros no exterior.

Para a diretora da Film Commission municipal, Natália Corrêa, as produções cinematográficas destacam locais que muitas vezes são desconhecidos, principalmente nas áreas rurais. E, ao apresentar esses lugares nas telas, as produções acabam despertando a curiosidade dos espectadores, motivando as pessoas a visitarem esses espaços para experienciar pessoalmente as paisagens e culturas que assistiram, beneficiando, assim, o turismo rural. 

“Na correria do cotidiano,  muitas vezes a própria comunidade não percebe as belezas ao seu redor. E o audiovisual ajuda a revelar esses espaços; por consequência, também fomenta o comércio local, incluindo pousadas e sítios recreativos que valorizam a culinária e a cultura.”

Neste sentido, a Santa Cruz Film Commission, segundo Natália, faz questão de mostrar as paisagens locais nos eventos em que participa. E trabalha para evidenciar, nas telas, as riquezas naturais e culturais no cinema.

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