Empresário com ansiedade e TDAH é autorizado pela Justiça do Paraná a plantar maconha e extrair óleo para tratamento; entenda decisão


Thiago Stein recebeu salvo-conduto para plantio após laudos comprovarem melhora de saúde. Argumentação econômica também respaldou pedido – hoje, ele gastaria mais de R$ 1.800 por mês para comprar o medicamento. Empresário com ansiedade e TDAH é autorizado pela Justiça do PR a plantar maconha para extração de óleo
O empresário Thiago Stein foi autorizado pela Justiça do Paraná a cultivar a planta Cannabis sativa, popularmente chamada de maconha, para extrair óleo dela e produzir um medicamento à base de canabidiol (CBD), substância química da planta.
O chamado “salvo-conduto” garante ao empresário que ele não será preso caso uma força-policial localize as plantas, por exemplo.
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A decisão da 5ª Vara Federal de Londrina, cidade em que vive, foi positiva após ele entrar com um pedido de habeas corpus apresentando um diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Estudos apontam que o uso do CBD, em diagnósticos como o dele, pode diminuir o impacto das doenças.
Com laudos médicos, ele provou à Justiça que o uso do CBD é o tratamento mais eficaz para quadro que possui, entretanto, o custo mensal do medicamento, de R$ 1.800, estava fora de seu orçamento.
Navegue nesta reportagem:
Como foi o diagnóstico de TAG e TDAH?
Como ele chegou até o tratamento com canabidiol?
Qual foi a melhora a partir do uso do óleo?
Por que ele precisa cultivar a planta?
O que foi necessário para a permissão de cultivo?
O que o salvo-conduto permite?
Avaliação de especialistas sobre a decisão
Como foi o diagnóstico de TAG e TDAH de Thiago?
Thiago contou ao g1 que os primeiros sintomas surgiram durante a pandemia da Covid-19, no início em 2020.
Segundo ele, a ansiedade causou alterações graves no tempo de sono, o que afetou a execução de tarefas cotidianas e no trabalho.
Ao procurar acompanhamento psiquiátrico, recebeu o diagnóstico de TAG e TDAH.
“A ansiedade começou a dificultar muito que eu conseguisse me concentrar para realizar as minhas tarefas laborais. E, fora isso, eu comecei a sentir muita dificuldade para começar a dormir.”
Tratamento de Thiago com CBD começou após remédios convencionais não surtirem efeito
g1
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Como ele chegou até o tratamento com canabidiol?
Psiquiatra fala sobre tratamento com óleo de cannabis em casos de TDAH e ansiedade
Antes de começar o tratamento com CBD, Thiago utilizou medicamentos convencionais entre 2021 e 2023. Entretanto, sofreu com efeitos colaterais.
Sem avanaço, o CBD foi indicado e o tratamento começou em 2024. O acompanhamento foi feito pela médica psiquiatra Ana Carolina Santana.
Ela explica que o óleo é indicado a partir do momento que “existe uma falha terapêutica com as medicações que eram a primeira linha de tratamento”. Isso significa que, em casos como o do Thiago, remédios comumente usados para ansiedade podem piorar os sintomas ao invés de solucioná-los.
“É feita toda uma avaliação para entender a rotina, estilo de vida, interferência desses sintomas todos nesse estilo de vida. E, a partir disso, a gente vai traçar um plano terapêutico”, a profissional detalha.
Ana também reforça que nem todos os quadros clínicos possuem evidências terapêuticas da eficácia do óleo, por isso, é necessário seguir estudos publicados sobre os efeitos positivos que a substância pode gerar, dependendo do quadro clínico.
Para saber a quantidade correta da dose do CBD e frequência de uso, a médica realizou testes durante semanas e observou a evolução dos sintomas de Thiago durante o dia a dia.
Qual foi a melhora a partir do uso do óleo?
Thiago usa dois frascos do óleo de CBD por mês, um gasto de mais de R$ 1.900.
Arquivo pessoal
A médica Ana Carolina explica que o tratamento com CBD, entre outras consequências, promove aumento na produção dos neurotransmissores serotonina e anandamida, conhecidos como “produtores de felicidade”.
Para o empresário, foi necessário um mês e meio de adaptação junto a mudanças de hábitos que colaboravam para o aumento da ansiedade.
Entre as mudanças percebidas, Thiago conta ter tido aumento da concentração no trabalho e redução de impulsos, como ficar sempre conectado ao celular.
O empresário conta que os efeitos colaterais surgiram de forma bem mais leve do que havia enfrentado com outros tratamentos. Isso o trouxe qualidade de vida e, entre as principais mudanças, a melhora no sono.
Por que ele precisa cultivar a planta?
A partir do momento em que a médica estabilizou a dose de óleo necessária para o tratamento, o paciente percebeu que não conseguiria adquirir o medicamento todo mês.
Ele explicou que usa dois frascos de óleo de CBD por mês. Para a compra de cada um, o gasto é de aproximadamente R$ 960.
Com a permissão para o plantio da cannabis e extração do óleo, Thiago garante que o tratamento continue e o valor elevado não seja um empecilho.
Permissão para o cultivo da cannabis
Advogado explica impasse legal para cultivo medicinal de cannabis no Brasil
O debate sobre o uso medicinal da cannabis tem ocorrido há anos no Brasil. Em novembro de 2024, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que empresas podem obter autorização sanitária para a importação de sementes e o cultivo da cannabis sativa com objetivos medicinais, farmacêuticos ou industriais.
No caso específico de pedidos de cultivo de cannabis para fins medicinais, o advogado Victor Emídio explica que a demanda, obrigatoriamente, precisa passar por processo judicial por conta da falta de regulamentação nacional.
Segundo ele, é necessário reunir documentos que comprovem a necessidade imprescindível do tratamento com base no óleo. Entre eles, estão:
Laudo médico;
Prescrição médica;
Laudo médico comprovando que outros tratamentos não foram eficientes;
Autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar importação;
Laudo de um engenheiro agrônomo para atestar quantas mudas e sementes são necessárias no plantio para que o tratamento seja correto, com base na dosagem recomendada pelo médico.
Além dos documentos citados, Emídio também orienta que os pacientes realizem cursos sobre cultivo da cannabis e extração de óleo.
Em casos de justificativa de produção por dificuldade financeira para compra do medicamento, é útil apresentar o laudo de um contador que mostre a incompatibilidade da renda.
“A discussão central em torno da matéria é que nós temos uma lei de drogas no Brasil. A lei é de 2006, uma lei que já tem quase 20 anos, que lá no seu artigo segundo ela trata da possibilidade excepcional do cultivo, tanto para fins religiosos quanto para fins medicinais, mas condiciona esse cultivo a uma regulamentação pelos órgãos que integram o poder Executivo, e esse regulamentação, até hoje, não existe”, o advogado explica.
Em janeiro deste ano, Londrina teve a distribuição gratuita de medicamentos à base de canabidiol vetada. À época, o prefeito Tiago Amaral (PSD) disse que o Executivo lançaria um novo projeto de lei para regularizar a distribuição do medicamento na cidade.
No Paraná, o Governo do Estado fornece medicamentos à base de canabidiol para pacientes com esclerose múltipla desde outubro de 2024.
Salvo-conduto: o que é a autorização concedida pela Justiça?
O salvo-conduto garante que Thiago não responda criminalmente em casos de abordagens policiais que ele seja flagrado com a planta ou derivados dela. A partir da decisão, ele foi orientado a carregar a autorização diariamente para que possa apresentá-la quando for necessário.
O empresário tem permissão apenas para plantio e cultivo para uso exclusivo próprio. Ele não pode vender, compartilhar ou doar o óleo para outras pessoas a cannabis.
Ainda conforme a decisão, que referencia o laudo de um engenheiro agrônomo, o empresário pode ter menos de 50 plantas e não pode confeccionar cigarros. Para o plantio, ele foi autorizado a importar sementes. Ele também teve que adquirir equipamentos que ajudam na extração do óleo.
Decisão colabora com quadro de pacientes com outras doenças, avaliam especialistas
O advogado e a médica psiquiatra comemoram a resposta da Justiça. Emídio pontua que a decisão se soma a permissões similares que foram concedidas pelo Poder Judiciário para pessoas com epilepsia, ansiedade, depressão, alzheimer e parkinson, por exemplo.
“O leque de concessões tem expandido bastante porque a medicina, a ciência, tem avançado também na compreensão de quais tipos de enfermidades podem ser abarcadas de alguma forma […]”, o advogado conta.
Ana Carolina ressalta a importância de um laudo detalhado para que a Justiça entenda a necessidade do paciente.
“Se é um tema tabu e é um tema que até muitos médicos desconhecem, imagina os juízes que não são da área da saúde. A cada laudo que eu emito e que vai chegar a um juiz de alguma forma, eu sempre tento ter esse olhar de educação também. Eu explico nos laudos que eu indiquei um produto à base de cannabis, como funciona, qual é a relação fisiológica que aqueles fitocanabióides dentro daquele composto farmacológico vai agir no organismo do paciente, por que a gente espera melhora, por que ele melhorou, por que a gente tá indicando produtos de cannabis e não outros produtos”, disse a médica psiquiatra.
Para Thiago, expor seu caso é uma forma de colaborar para a evolução dessa discussão.
“Eu acredito que seja importante que eu não tenha pedido segredo de justiça e que haja uma certa divulgação do meu caso porque, assim, outras pessoas podem ficar sabendo que existe um tratamento desse tipo, com orientação médica, com autorização judicial. E, assim, a sociedade passa a aceitar isso como algo mais normal, como acontece em vários outros países, inclusive”, o empresário explica.
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