‘Quer guerra?’: Justiça decreta sigilo de pedido policial para investigar prefeito de SC que ameaçou PM


Solicitação chegou em 6 de março e ainda não teve resposta. Político discutiu com militar após abordagem envolvendo uma infração de trânsito. Vídeo com novos trechos mostra ameaças de prefeito de SC a PM em abordagem
Está em sigilo o andamento do pedido feito pela Polícia Civil ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para investigar o prefeito de Bela Vista do Toldo, Francisco Carlos Schiessl (MDB), flagrado em 2 de fevereiro discutindo e ameaçando um policial militar em um caso envolvendo uma infração de trânsito na cidade.
Até a última atualização desta reportagem não havia resposta se a abertura do inquérito será autorizada, disse o delegado Darci Nadal. Também não foi informado de quem partiu a autorização para o sigilo, concedido pelo Poder Judiciário.
O pedido ao TJSC para autorizar o inquérito ocorre porque Schiessl tem foro privilegiado devido ao cargo. A solicitação chegou em 6 de março.
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Ameaças e discussão com PM
O prefeito discutiu com um policial militar após ele abordar o afilhado de Schiessl. “Quer guerra comigo?”, gritou o prefeito, ao perceber que o veículo do afilhado seria guinchado. A ação foi filmada pelo policial (assista acima).
Conforme o delegado, há indícios de ameaça, abuso de autoridade e concussão/corrupção passiva do prefeito contra o policial militar. O g1 entrou em contato com a defesa do prefeito e não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.
O vídeo que gravou o prefeito ameaçando o PM durante abordagem de trânsito também fez outros flagrantes. Nele, o político também aparece pedindo ao militar para liberar o condutor somente com uma multa, sem guinchar o veículo.
“Vamos amenizar a situação para ficar bom para todo mundo. Guinchar não!”, diz o prefeito. Ao perceber que o militar ia seguir com o procedimento, Schiessl questiona se ele tem certeza do que está fazendo e acrescenta: “Você quer guerra comigo?”.
Conforme o delegado Darci Nadal, o policial militar agiu de forma correta na abordagem com o afilhado de Schiessl, já que a medida legal para veículo com o licenciamento vencido é a remoção para o pátio.
Cronologia
Schiessl não estava no local no momento em que o carro foi abordado;
Ele chega e questiona “o que está se sucedendo”. O PM responde que era apenas uma infração de trânsito;
Em seguida, o prefeito segue questionando o que tem de errado com o veículo. “Mas está atrasado ou o quê?” O militar explica e questiona: “o senhor é parente (do motorista)?”;
Schiessl, então, diz: “eu sou o prefeito daqui da cidade”. O PM responde que sabia do cargo;
Na sequência, o prefeito segue questionando se o militar realmente iria seguir com os procedimentos de multa e guincho;
Com a confirmação, a situação escala: “Você quer guerra comigo?”, diz o administrador, que bate no peito enquanto afirma que é o prefeito da cidade e que iria lutar para tirar o policial de lá. “O prefeito aqui na cidade sou eu”. “Eu vou mostrar quem manda nessa cidade”.
Em outro vídeo, Schiessl já está dentro do carro, e diz: “Eu não vou bater boca com você porque eu sou prefeito e eu sou o teu chefe”.
O MDB municipal foi questionado, mas não retornou ao contato e a legenda estadual disse que não vai falar sobre o caso.
Em nota, o 3º Batalhão da Polícia Militar reforçou apoio à equipe policial, assim como a Associação de Praças do Estado de Santa Catarina (Aprasc) (leia as notas no fim do texto).
Prefeito de Bela Vista do Toldo discute com policial militar durante abordagem envolvendo infração de trânsito
Reprodução/Redes sociais
Quem é o chefe da Polícia Militar?
Os policiais militares são servidores públicos estaduais subordinados aos governos de cada estado e aos governadores. Demissões, por exemplo, dependem de processos administrativos.
Os prefeitos gerenciam municípios e não têm autoridade sobre agentes estaduais. A explicação é de Guilherme Stinghen Gottardi, presidente da Comissão de Segurança, Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC).
PM estava sozinho e gravou ocorrência
O batalhão não soube informar em qual dispositivo as imagens foram feitas, mas afirmou que o PM estava sozinho e precisou chamar reforço.
A corporação disse que o condutor do carro se recusou a fazer o exame de alcoolemia e, devido aos sinais de embriaguez, foi levado à delegacia.
Procurado pelo g1 para falar sobre como funciona a subordinação dos policiias militares, o advogado Guilherme Stinghen Gottardi ressaltou a importância da gravação da ocorrência e alertou que as câmeras são mecanismos de defesa para o policial.
“Se o policial não tivesse gravado a ocorrência, como ele poderia se defender do prefeito em eventual procedimento futuro?”, questionou. “E nisso a OAB/SC vem alertando há tempos, sua preocupação com o fim do programa das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares”, disse.
O uso de câmeras nos uniformes da PM foi encerrado em 2024. A PM afirmou, em 4 de março, que segue em um processo de estudo sobre o uso dos equipamentos.
O que aconteceu com o afilhado?
Conforme o delegado, o afilhado do prefeito foi levado à delegacia e declarada prisão em flagrante por dirigir embriagado, crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.
Antes, quando ainda era abordado pela PM, ele se recusou a fazer o teste do bafômetro. “Como ele possuía mais de um sinal de embriaguez, o policial militar fez o auto de constatação”, explicou o delegado.
Com isso, já seria possível realizar a prisão. Porém, na delegacia, o motorista pediu para fazer o teste. “Salvo engano, deu 0,43 miligramas de álcool por litro”.
Foi dada a ele a possibilidade de pagar uma fiança de um salário mínimo, atualmente em R$ 1.518. Segundo o delegado, o motorista fez o pagamento e agora responde ao crime em liberdade.
O que diz a PM
Confira abaixo a nota completa da Polícia Militar:
A Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), através do comando do 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em relação aos eventos ocorridos durante a abordagem policial em Bela Vista do Toldo-SC no último dia 2, assevera que:
1. após a análise das informações preliminares devidamente registradas nos documentos pertinentes, bem como os relatos dos Policiais Militares envolvidos no atendimento, reforça seu total apoio às equipes policiais;
2. destaque-se que a abordagem e a condução de todo o procedimento foram realizadas em conformidade com a legislação vigente, além de estar de acordo com os manuais operacionais da corporação.
A PMSC, por fim, frisa seu compromisso na preservação da ordem pública, visando, principalmente, a proteção de todos.
O que diz a Aprasc
Veja a íntegra da nota da Aprasc:
A APRASC vem a público manifestar seu total apoio ao Policial Militar que, no cumprimento do seu dever, foi alvo de intimidação por parte do Prefeito de Bela Vista do Toldo.
Durante uma abordagem legítima, o Prefeito tentou usar de sua posição para ameaçar o Policial, insinuando que poderia removê-lo da cidade e desafiando sua autoridade. O Policial, no entanto, agiu de forma exemplar, mantendo a postura profissional e aplicando a lei com imparcialidade, sem se curvar a pressões políticas.
A APRASC repudia qualquer tentativa de interferência no trabalho dos militares estaduais e reafirma que a hierarquia e a disciplina da Polícia Militar não estão à mercê de interesses individuais. A caneta pode dar poder, mas o verdadeiro respeito se conquista com responsabilidade e retidão.
Nosso total reconhecimento ao Policial que honrou sua farda e demonstrou que o compromisso das praças é com a sociedade e com a legalidade.
A APRASC segue vigilante e atuante na defesa dos direitos e da dignidade de seus associados.
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