Bets: uma perigosa epidemia global

Não, não se trata da nova cepa do coronavírus, com capacidade de se espalhar pelos humanos, descoberta por pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan, na China. É a epidemia global das bets, casas de apostas, cada vez mais presentes em comerciais na televisão e patrocínio de clubes de futebol. Grêmio e Internacional anunciaram, no dia 11 de fevereiro, a empresa Alfa que, conforme diz o Google, “é uma das 15 casas de apostas com licença definitiva no Brasil, atuando com transparência, segurança e responsabilidade”, como nova patrocinadora máster dos dois clubes.

No Brasil, sites de apostas já recebem mais visitas do que os domínios de plataformas de streaming populares, como o YouTube e o TikTok, e redes sociais, como WhattsApp, Instagram e Facebook. Conforme levantamento realizado pelo Aposta Legal, portal informativo sobre o universo das bets no Brasil, em janeiro deste ano, domínios terminados em bet.br registraram 1,7 bilhão de acessos. Trata-se da maior fonte de tráfego no país, atrás apenas do Google. Isso que os dados abrangem apenas o acesso via navegador, ou seja, não contabiliza o uso dos aplicativos de cada uma das plataformas.

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O crescimento vertiginoso das apostas online e seus efeitos nocivos para parte da população não são um problema exclusivamente brasileiro. Vários países enfrentam situação semelhante e debatem regras mais rigorosas. Pesquisas recentes trouxeram mais clareza sobre seu impacto na saúde financeira e mental da população.

Além dos bancos, pelo montante de valores envolvidos, as bets também chamaram a atenção de pesquisadores que vêm se debruçando sobre seus efeitos nas finanças dos americanos. O curioso é que um estudo realizado por Brett Hollenbeck, da Universidade da Califórnia em Los Angeles e David Proserpio, da Universidade do Sul da California, publicado em agosto de 2024, concluiu que nos estados que legalizaram as bets a saúde financeira dos moradores piorou mais do que nos estados onde elas seguiam proibidas. A pesquisa encontrou uma diferença para pior na pontuação do crédito, na taxa de insolvência e na cobrança de dívidas nos estados que legalizaram as bets em comparação com os demais. Parece que, pelo fato de estarem legalizadas em alguns países, seus cidadãos se sentem mais despreocupados em apostar.

Por que as pessoas apostam? Na opinião de Eduardo Mira (*), em artigo publicado na FORBES Brasil, em 01/11/2024, as ciências sociais, a psicologia econômica e a neurociência tentam explicar porque tanta gente se deixa envolver por essa armadilha mental. Algumas observações do Eduardo:

  1. Os apostadores não se veem como viciados em jogos e tem desculpas como “é só de vez em quando”, “só jogo um troco”;
  2. O cérebro do apostador não consegue entender que as chances de ele ganhar são de 1 em milhares ou até milhões, guiando-se apenas pela esperança e  possibilidade de ganhar;
  3. O cérebro sempre busca fatos que validem as crenças do apostador: “alguém sempre ganha, quem sabe não seja eu”, “conheço alguém que vive de ganhar apostas”… Diferente dos cigarros, onde os riscos do consumo são estampados nos maços, as propagandas de apostas online não mostram pessoas tristes, desesperadas ou até suicidas  porque perderam tudo o que tinham e, ás vezes, se endividaram; pelo contrário. o marketing das empresas exibe pessoas alegres, felizes que realizaram sonhos com o que ganharam. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o jogo compulsivo é como uma doença, assim como a dependência do álcool e cigarro.

Lidar com as apostas online, no cenário atual, requer muito trabalho de prevenção e conscientização, tanto do ponto de vista emocional, quanto financeiro, como também algumas ações do governo para limitar os jogos online. O fato é que as bets estão sendo observadas, avaliadas e regularizadas em vários países.

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Na Alemanha, por exemplo, embora exista uma legislação liberal sobre o assunto, a regulação do setor inclui uma base de dados centralizada que cadastra pessoas que ficam impedidas de fazer apostas online: o próprio apostador, seus familiares ou empresas podem fazer pedidos para o cadastro; a maioria dos cadastros é por iniciativa do próprio apostador, numa atitude  consciente para impedir seu acesso ao jogo e assim deixar de jogar nas bets.

Entre os países avaliados, China e Coréia do Sul foram os que adotaram as restrições mais rigorosas contra as bets. Na Coréia do Sul, apenas uma empresa tem a licença para oferecer apostas esportivas em lojas físicas e online. Já na China, as apostas online foram proibidas em 2015, depois de um rápido crescimento, entre os anos 2005 e 2014. Hoje, são permitidas algumas modalidades de loteria esportiva, controladas pelo governo.

Diversas pesquisas já demonstraram que jovens e pessoas com menos renda  são mais vulneráveis aos efeitos adversos das apostas em suas finanças. Isso acontece por diversos fatores, que, conforme explica u psiquiatra Nicole Rezende, do Instituto de Psiquiatria da USP:

  1. Pessoas com histórico de trauma ou de problemas de saúde mental, podem utilizar o jogo como uma forma de obter prazer; a chance de evoluir para um comportamento compulsivo é maior;
  2. Jovens carentes, sem supervisão parental ou rede de apoio, ficam mais expostos; com a facilidade de poder apostar no celular, acredita na crença de aquilo vai resolver sua vida.

Um estudo realizado pelo Serasa revelou que 44% dos endividados, na busca de ganhos rápidos e fáceis, já jogaram em bets para quitar suas dívidas. Com altas chances de perda e potenciais consequências psicológicas e financeiras, apostar em bets pode piorar a situação de vulnerabilidade econômica.

Mesmo atuando com transparência, segurança e responsabilidade, como se apresenta a bet Alfa, patrocinadora do Grêmio e Internacional, a publicidade massiva e a perspectiva de ganhar um dinheiro fácil tem atraído pessoas que apenas querem se divertir; jovens com algum problema ou carentes; pessoas endividadas; e idosos.

O impacto social e familiar costuma ser severo, com muitas famílias empobrecidas, separações e vínculos desfeios. Em contrapartida, o apoio e suporte familiar costumam ser fundamentais no tratamento dos indivíduos afetados pelas bets. É necessário que as pessoas procurem educar seu comportamento financeiro para evitar os malefícios que os jogos online podem provocar na área financeira, familiar, profissional, religiosa e social.

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