Tomara que eu esteja exagerando

Completei 52 anos há uma semana. Então vou agradecer aqui às pessoas que me enviaram felicitações no Facebook, pois lá não tive como responder. Por algum mistério (aliado à minha velha inaptidão digital), bloqueei meu próprio acesso na rede social e não consigo mais postar, curtir nem compartilhar nada. É chato por um lado, o de restringir as oportunidades de interação, mas por outro nem tanto.

Não consigo deixar de pensar que as redes sociais são, em grande medida, responsáveis pelo empobrecimento mental e espiritual perceptível nos últimos anos. Elas colaboraram muito para que o narcisismo, esse conhecido fenômeno individual, contaminasse todo tipo de discussão em grupos, principalmente política.

Tornou-se inviável qualquer diálogo mais profundo com alguém que não seja a própria imagem no espelho. Estou exagerando? Tomara que sim, pois há momentos em que realmente é melhor estar errado.
Não é possível nem ver um filme sem entrar em polêmicas inúteis. O novo Capitão América do cinema (que é negro, como também já foi nos quadrinhos) é de esquerda ou direita? Conservador ou progressista? Ou isentão? Isso é o que importa saber, e não se o filme é simplesmente bom ou ruim. Se esse tipo de estreitamento invade o universo infantojuvenil dos super-heróis, imagine então o mundo adulto.

É bonito e romântico imaginar um Brasil unido na torcida por Ainda Estou Aqui no Oscar, mas alguns vão torcer pela derrota. Pois isso é o que chamam de ser “politizado” hoje em dia.

Mas o que distingue a realidade da fantasia é justamente a coexistência com juízos diferentes, outros pontos de vista. Os contrapontos servem como parâmetros para avaliar a pertinência e a qualidade de minhas próprias opiniões. Tentar apagá-los, suprimi-los, é se condenar a viver na bolha da ficção narcísica. O famoso “princípio da realidade” é o outro. Quando “pensar” se resume a repetir bordões e frases prontas, ninguém está pensando de fato.

É nesse sentido, penso, que a filósofa Hannah Arendt entendia o agir político. “Se só restar um povo na face da Terra e esse povo chegar ao ponto em que todos veem e entendem tudo a partir da mesma perspectiva e vivem entre si em plena unanimidade, então o mundo terá chegado ao fim, no sentido histórico-político”, ela escreve em um de seus livros, justamente intitulado O que é política?.

E sejamos sinceros: quando não tivermos mais ninguém para criticar, vamos matar o tempo com o quê?

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