Fé, tradição e resistência: 2º Festejo de Iemanjá reafirma união e combate à intolerância religiosa em Palmas

Com homenagens à Rainha do Mar, a celebração reuniu povos de terreiro, autoridades e admiradores, promovendo cultura, respeito e liberdade religiosa na Praia da Graciosa

Em um encontro aberto ao público, em referência ao Dia de Iemanjá, celebrado a cada 2 de fevereiro, a Praia da Graciosa foi tomada por fé e devoção durante o 2º Festejo de Iemanjá, na manhã deste domingo, 23, em Palmas, em uma celebração e manifestação religiosa e cultural organizada pela Associação das Casas de Culto Afro-brasileiras do Tocantins (Afeccamto) e Ilè de Odé e Oyá, em parceria com a Prefeitura de Palmas. Em um momento de acolhimento e confraternização, o evento reuniu povos de terreiros de todo o estado do Tocantins, autoridades, devotos e admiradores de Odoyá, conhecida como rainha das águas e mãe dos orixás nas religiões de matriz africana. A programação contou ainda com uma apresentação do projeto “Som da nossa fé”, contemplado pela Política Nacional Aldir Blanc (PNAB).

Com raízes ancestrais, o encontro também marca o enfrentamento à intolerância e ao racismo religioso, bem como de propagar a cultura e a tradição dos povos de terreiro e das religiões de matrizes africanas, além de promover respeito à diversidade e à liberdade de culto.

Após a carreata que saiu da casa do Pai Willian de Odé, a concentração começou por volta das 8h, em tendas montadas para receber os visitantes. Trajadas de brancos, as pessoas marcaram presença e participaram da programação que contou com giras, cantos e banho de pipoca, onde aconteceram os rituais e a entrega de presentes à Iemanjá. O evento também celebrou a união com duas importantes lideranças religiosas: a Agba Iyalorixá Clara de Oyá, vinda de São Paulo, e a Iyalorixá Mariana de Ayra, de Valparaíso, que representa a casa matriz Ilè Oxumare Ase Ogodo, de Salvador.

Flores, perfumes e preces foram entregues às águas do Lago de Palmas. As oferendas previamente sacralizadas nos rituais do Candomblé foram levadas ao leito do Rio Tocantins como um gesto de devoção a Iemanjá e Oxum em conexão espiritual e ancestral com as águas sagradas. “A família de Santo se uniu com todas as outras casas de Candomblé, de Umbanda, Terecô, do Molocó, Quimbanda, Jurema Sagrada e a maioria das raízes das vertentes das religiões de matriz africana tinham seus representantes aqui na festa de Oxum e de Iemanjá. E é muito importante para cultura tocantinense, porque o Tocantins tem a maioria da sua população de povo preto e pardo para reafirmar toda uma cultura ancestral para o povo de terreiro do estado”, disse o Balorixá William.

O presidente do Conselho Estadual de Políticas Culturais (CPC-TO), Elpídio de Paula, destacou que o Tocantins é “entranhado pela cultura afro, do povo quilombola, do povo de terreiro, que está muito presente. Vemos aqui a força da nossa cultura negra. Aqui está a raiz, a herança cultural e tradicional do nosso povo”, destacou. 

A partilha entre irmãos de fé, que permite a troca de saberes e a mobilização político-social em espaços públicos da capital, é de suma importância para a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Tocantins, Cejane Pacini. “É importante que eles se encontrem e aconteçam essas manifestações culturais que fazem parte da cultura e, ao mesmo tempo, no contexto de Palmas, é interessante ver a ocupação dos espaços públicos e a medida que é possível ter acesso a esses espaços, assim como todas as religiões. Também para as pessoas conhecerem a cultura e combater a intolerância religiosa”, declarou. 

A carioca Paula Mendes, ao lado de seu marido Anderson Luiz, levou a filha Ana Laura – que recém completou 1 ano neste sábado, 22, – para manifestar seu axé. Paula contou que na primeira edição do festejo, em 2024, estava na maternidade após o nascimento da filha, mas o esposo não deixou de participar para agradecer Iemanjá. Agora, já com um ano e batizada na Umbanda, Ana Laura dançava no colo de seus pais e estava com os olhos atentos a tudo. “De onde vimos, era muito comum ver esses encontros de axé em praias. Há quase cinco anos morando em Palmas, nunca tinha visto algo parecido. Ano passado, meu esposo veio e me contou como estava sendo aceito e respeitado. Encontrar pessoas que compartilham a mesma fé que a gente, nos dá sensação de comunidade e pertencimento”, compartilhou Paula. 

PNAB: Som da nossa fé

Contemplado no valor de R$ 15.000,00, no edital lançado pelo Governo do Tocantins, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), com recursos da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), na categoria Cultura Tradicional, o projeto “Som da nossa fé” se apresentou pela primeira vez no 2º Festejo de Iemanjá. Voltados para os povos de terreiro e com duração de dez meses, a iniciativa busca capacitar cerca de dez alunos para tocar atabaque. Na manhã deste domingo, a proponente e professora Amanda Braz estava no comando do instrumento, ao lado da irmã de santo e cantora Ana Karolina Ferreira e do aluno Pedro Cordeiro. 

“Nós temos pessoas capacitadas para tocar ritmos de umbanda, de candomblé, de fazer batuques e de interagir, agregar, harmonizar a comunidade. A nossa proposta é de juntar todo mundo tocando, todo mundo levando axé e fazendo o que ama”, enfatizou a professora. “Aqui é um momento, um local, um evento, onde a gente pode se conhecer e mostrar para a comunidade, professar a nossa fé e mostrar que o que a gente faz é amor, é culto à cultura, à natureza, à ancestralidade e à nossa força dentro do mundo”, completou Ana. 

“É muito gratificante fazer parte dessa linda cultura que participamos. Então, é só glória, axé!”, finalizou o ogan Pedro.

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