3 desafios que a economia da Alemanha enfrenta e por que a eleição deste domingo é crucial para que o país se reinvente


O próximo governo alemão que sair das urnas neste domingo (23/02) terá o difícil desafio de relançar sua economia e fortalecer sua defesa. Eleitora alemã vota neste domingo, em Berlim
REUTERS/Fabrizio Bensch
Com as urnas abertas até as 18h (14h no horário de Brasília), a Alemanha escolhe neste domingo (23/2) um novo governo, em um momento crítico.
Com sua economia estancada, um contexto internacional cada vez mais hostil devido às mudanças da política externa americana no governo Donald Trump e o auge da direita radical no país, questionando alguns dos consensos que sustentaram seu modelo político nas últimas décadas, os alemães comparecem às urnas com a clara sensação de que o país precisa de mudanças profundas e urgentes.
As pesquisas indicam que a força política mais votada será a União Democrata-Cristã (CDU, na sigla em alemão), com o candidato Friedrich Merz, seguida pela ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), de Alice Weidel, que pode obter os melhores resultados eleitorais da sua história.
O Partido Social Democrata (SPD), do atual chanceler Olaf Scholz, deve cair para a terceira posição, segundo as pesquisas. A causa seria o desgaste causado pelos enfrentamentos e pela divisão sofrida no seu governo de coalizão com os liberais e ecologistas.
A grande incógnita que se apresenta nas pesquisas é se Merz será capaz de formar um governo suficientemente estável para realizar as reformas necessárias. O país foi, durante décadas, um exemplo de sucesso e liderança na Europa, mas seu modelo econômico e seu papel global, agora, parecem estar se partindo.
Mas como a Alemanha chegou a esta encruzilhada?
1. O desafio do retorno de Trump à Casa Branca
O democrata-cristão Friedrich Merz (dir.) aparece nas pesquisas como o candidato com maior intenção de votos para as eleições alemãs. À esquerda, o candidato do Partido Verde, Robert Habeck
Getty Images
A volta de Donald Trump à presidência americana trouxe mudanças radicais para a política externa dos Estados Unidos. Estas mudanças obrigaram a Alemanha e os demais membros europeus da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a repensar rapidamente suas posições.
Trump é muito crítico com seus aliados europeus. Ele os acusa de não gastarem o suficiente com a defesa e de abusar da proteção militar dos Estados Unidos há décadas.
Há um mês no poder, o presidente americano fez tremer o solo que sustentava a Alemanha, com sua decisão de iniciar negociações sobre a Ucrânia diretamente com a Rússia de Vladimir Putin, excluindo os aliados europeus.
Trump também deixou claro que nem a Alemanha, nem os demais países da União Europeia podem contar com a garantia de que os Estados Unidos irão acudir em sua ajuda, no caso de ataques ao seu território.
O vice-presidente americano, J. D. Vance, discursou em Munique, na Alemanha, no dia 14 de fevereiro. Ele lançou duros ataques aos líderes europeus e causou perplexidade entre os alemães. O ministro da Defesa do país, Boris Pistorius, qualificou o discurso de “inaceitável”.
Trump acusa a Alemanha e seus aliados europeus de não investir o suficiente na defesa
Getty Images
Karl-Heinz Kamp, da Academia Federal Alemã para Políticas de Segurança, declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) que “o modelo segundo o qual os americanos forneciam a segurança – com a Alemanha podendo se dedicar a crescer e prosperar – terminou” com o segundo mandato de Donald Trump.
Em um país que passou décadas entre governos muito reticentes para investir no seu exército, devido às traumáticas recordações da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e do militarismo nazista, a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 obrigou os políticos e a população da Alemanha a repensarem sua posição.
Nos últimos anos, a Alemanha aumentou seus gastos em defesa e o governo de Scholz rompeu décadas de tradição pacifista em 2022, ao aprovar o envio de armamento letal à Ucrânia para repelir a invasão russa. Esta mudança histórica foi bem recebida pelos cidadãos alemães, segundo as pesquisas.
Merz destacou que esta “foi uma mudança fundamental na política alemã, mas que logo foi interrompida”. Para ele, “o próximo chanceler precisará se aprofundar nela e levá-la para o próximo patamar”.
O grande problema é que a Alemanha se vê obrigada a investir mais em defesa em um momento ruim para sua economia.
Os gastos sociais e o financiamento dos generosos serviços públicos, tradicionalmente, são prioritários no país. Mas as ameaças de um mundo em que as garantias de segurança dos Estados Unidos e da Otan estão sendo questionadas podem obrigar os alemães a tomar dolorosas decisões orçamentárias, se o próximo governo não conseguir reativar o crescimento econômico.
2. Indústria defasada e economia estancada
A Alemanha ostentou com orgulho, por muitos anos, o título de “locomotiva da Europa”.
A imprensa internacional usava este rótulo com frequência para destacar a liderança do país, que impulsionava o crescimento econômico da União Europeia.
Incentivada pela sua indústria e pela energia barata que vinha da Rússia, a Alemanha crescia de forma dinâmica. O país gerava empregos, principalmente graças à exportação de carros e outros produtos de alto valor agregado, destinados aos parceiros europeus e aos enormes mercados dos Estados Unidos e da China.
Mas este crescimento ficou estancado nos últimos anos. O Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha foi reduzido em 0,3% ao ano em 2023 e, segundo as estimativas, 0,1% em 2024.
As previsões da Comissão Europeia indicam que o crescimento alemão irá se recuperar lentamente. Neste ano, o aumento não deve superar 0,7%.
O economista Wolfgang Münchau, diretor do portal especializado Eurointelligence, declarou à BBC que “o milagre alemão terminou”, devido às decisões tomadas na época de bonança da ex-chanceler Angela Merkel.
“Na década de 2010, a Alemanha aumentou sua dependência do gás russo, investiu menos em fibra óptica e infraestrutura digital e aumentou sua dependência das exportações”, segundo Münchau.
Ele acredita que seu país não soube se adaptar a tempo à era digital. Agora, a indústria automotiva alemã, tão prestigiada até pouco tempo atrás, está sendo superada no setor de carros elétricos pela concorrência chinesa, mais preparada para esta corrida.
Os fabricantes alemães de automóveis vêm enfrentando dificuldades, principalmente com a concorrência chinesa
Getty Images
A guerra na Ucrânia e a aberta rivalidade entre a União Europeia e Vladimir Putin encareceram o gás e o petróleo da Rússia, que alimentavam os lares e as fábricas alemãs. Isso contribuiu para o aumento da inflação, que é uma das questões que mais vêm preocupando a população do país.
Atualmente, a Espanha – que é muito menos dependente dos gasodutos que ligam a Rússia à Europa ocidental – ultrapassou a Alemanha como o país que mais cresce na União Europeia.
Diana Luna, assessora da Fundação Friedrich Naumann para a Liberdade, declarou à BBC News Mundo que “a Alemanha é um dos países onde quem quer gerar riqueza precisa enfrentar mais impostos e burocracia”. Acrescente-se a isso os custos da energia como mais um obstáculo para a atividade econômica.
Mas Kamp recorda que o país ainda mantém pontos fundamentais fortes, que deveriam ajudar o novo governo na busca de um novo caminho para a prosperidade.
“Temos mão de obra muito bem formada e uma dívida pública muito inferior à de outros países, o que nos oferece margem de manobra”, destaca ela.
Durante a campanha eleitoral, o favorito Friedrich Merz defendeu reduzir a burocracia, as regulamentações ambientais e os impostos para dar novo impulso à economia.
Mas, antes de tudo, ele precisará conseguir formar um governo estável. E as pesquisas preveem que será necessário formar uma coalizão com os social-democratas ou os liberais para obter apoio suficiente no Parlamento.
Além disso, ele também precisará evitar as desavenças e contradições que acabaram derrubando o governo liderado por Olaf Scholz.
3. A imigração e o auge da direita radical
Em 2015, a então chanceler Angela Merkel decidiu abrir as portas da Alemanha para os refugiados da guerra na Síria, enquanto seus vizinhos europeus fechavam suas fronteiras com soldados e cercas de arame.
Imigrantes de outros países também se instalaram na Alemanha. Mais de 2 milhões de pessoas chegaram ao país naquele ano.
A população não deixou de crescer nos últimos anos devido à imigração, o que ajudou a compensar a redução da natalidade e o envelhecimento entre os cidadãos alemães.
Mas a imigração em massa também trouxe consigo problemas de integração. E alguns ataques cometidos por solicitantes de asilo muçulmanos causaram consternação no país. O caso mais recente aconteceu poucos dias atrás, em Munique.
O partido ultradireitista AfD conta com o apoio do bilionário americano Elon Musk
Getty Images
O posicionamento favorável dos alemães frente à imigração aparentemente oscilou nos últimos anos.
Em 2016, o Índice de Aceitação da Imigração na Alemanha era de 7,1, segundo o instituto de pesquisas Gallup. Mas, em 2023, este índice caiu para 6,4.
O Gallup indica que a Alemanha é a única dentre as principais economias europeias em que a aceitação dos imigrantes é significativamente inferior à de 2016.
Diana Luna acredita que “foi um erro abrir totalmente as fronteiras em 2015, sem que se chegasse a um consenso europeu sobre como fazer frente à crise dos refugiados provocada pela guerra na Síria. Existem cidades sobrecarregadas e os serviços entraram em colapso.”
Tudo isso fortaleceu a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que concorre nestas eleições com a melhor perspectiva da sua história – e com o apoio do bilionário americano Elon Musk, forte aliado de Trump.
Depois de atingir várias esferas de poder local e regional nas últimas eleições, a AfD se transformou em uma força de referência nacional. Seu discurso anti-imigração obrigou outros partidos a também adotar um tom mais duro.
Os demais partidos continuam aplicando o veto à direita radical – um dos consensos da política alemã há décadas, devido à aversão do país a qualquer vislumbre de reedição do trauma do nazismo. Por isso, parece improvável que a AfD venha a fazer parte da futura coalizão de governo.
Mas Luna acredita que “a direita radical é especialmente forte na antiga Alemanha Oriental e, depois destas eleições, sua voz será cada vez mais forte”.
“Se o novo governo conseguir ser estável, gerar empregos e colocar a imigração em ordem, ele irá retirar o capital político acumulado pela direita radical”, defende a especialista, “e voltará a demonstrar aos alemães que sua democracia é um sistema que continua dando resultados.”
Manifestantes vão às ruas na véspera da eleição na Alemanha
Imagem do papa é projetada no obelisco de Buenos Aires
Alemanha: o apoio de Musk na eleição
Adicionar aos favoritos o Link permanente.