A poesia em estado Degrazia

Um novo volume de poemas do gaúcho José Eduardo Degrazia é um convite oportuno a olhar com ternura e encantamento para a vida. Batida de limão, que saiu pela editora paulista Penalux, de Guaratinguetá, é uma espécie de escrutínio ou inventário de uma trajetória individual, com um eu lírico que repassa e perpassa instantes e personagens essenciais de sua caminhada.

Essa disposição para os temas e para os acontecimentos que remetem à própria história, ao universo familiar e de formação, às amizades e aos instantes que marcaram a existência é, de certo modo, uma guinada na obra de Degrazia. Em poesia, seus títulos anteriores, ao longo de décadas, foram marcados por uma abordagem mais impessoal, sóbria, tanto ao adotar a forma do soneto quanto na poesia livre.

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Aos 73 anos, esse porto-alegrense parece ter tido o seu íntimo despertado para um movimento de reencontro artístico, criativo, afetuoso, com as paisagens e as pessoas que foram determinantes em sua vida. Tal projeto iniciou-se com um livro anterior, Memórias da febre, de 2022, editado pela mesma Penalux. É como se Degrazia estivesse sentado em seu espaço de escrita, na sala ou no escritório, com uma xícara de café ou uma taça de vinho, e ali se dedicasse, com serenidade e nostalgia, ao exercício de tornar o passado poesia.

Estão nos versos, livres, as paisagens de sua infância e, nelas, as pessoas que o marcaram, na família, pelas ruas, em viagens. Logo se evidenciam as lembranças da fronteira e de uma temporada em Santa Maria, reavivando com simpatia (e, imagina-se, com sorriso no rosto) as ambiências.

O olhar imaginativo que Degrazia direciona ao pretérito, iluminando momentos e gentes, é convite natural a que o leitor, companheiro no passeio poético, rememore, mire, também ele, instantes e personagens que marcaram a sua própria caminhada.

E o uso do verbo “olhar”, no caso, promove uma alusão extra: ocorre que Degrazia é, por profissão, oftalmologista. Logo, ninguém melhor do que ele, lançando mão da poesia, poderia nos desafiar ou nos instar a prestar atenção, a focar (não só com os olhos, mas também com o coração) tudo aquilo que é tão caro a cada um: o que nos cerca, e tudo o que aguarda para ser reavivado, dentro de nós, sob as cinzas, talvez ainda mornas, de tudo o que passou.

Também um mestre do miniconto

José Eduardo Degrazia tem na poesia e no miniconto as vias de expressão em que mais exercita a sua criatividade. Em ambos os gêneros, teve sua produção traduzida para várias línguas, sendo que ele próprio é, igualmente, um exímio tradutor. Entre os autores mais conhecidos que trouxe para o português está o chileno Pablo Neruda, ganhador do Nobel de Literatura (dele, traduziu dez títulos). Mas Degrazia empenha-se e esmera-se em verter poetas nem tão conhecidos, cuja obra, contudo, têm ampla aceitação internacional. É o caso do cubano Virgilio López Lemus, do maltês Oliver Friggieri e do croata Drago Stambuk.

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Com mais de três dezenas de livros publicados e integrante da Academia Rio-grandense de Letras, Degrazia foi inúmeras vezes premiado ou reconhecido, dentro e fora do país, por alguma obra específica ou pelo conjunto de sua produção. Entre os prêmios, destaque para o que recebeu em Trieste, na Itália, em 2013, e para o da Macedônia do Norte, em 2022. Em âmbito nacional, foi finalista de importantes certames literários.

Além do lançamento de Batida de limão, de poesia, em 2024, em dezembro último chegou às livrarias um novo volume de minicontos, gênero no qual é considerado um dos grandes expoentes em realidade de Brasil, e ao qual se dedica desde a década de 1970. O homem que escrevia no bar, seu título mais recente nesse modelo de narrativa curta, por vezes quase aforística, saiu pela editora gaúcha Sulina.

“Um dia”

Os teus sonhos
para o que serviram?
Os ideais da juventude
a que te entregaste
onde foram parar?
O mundo mudou
e viajaste com ele,
foste cristão inocente,
foste hippie cabeludo
(os cabelos foram
os primeiros a cair),
acreditaste na revolução,
acreditaste na evolução,
trabalhaste para os outros
e para a tua família,
trabalhaste muito,
sonhaste muito.

O que ficou disso tudo,
eu te pergunto, amigo,
companheiro, namorada,
o que ficou de nós
no pó da estrada?
O que ficou de ti,
o que ficou de mim,
o que permaneceu
do que foi sonhado?

Ficha

Batida de Limão, de José Eduardo Degrazia.
Guaratinguetá (SP): Penalux, 2024. 95 p. R$ 42,00.

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