Por que Santa Cruz precisa preservar o Túnel Verde?

Entre as 51.203 árvores nas calçadas de Santa Cruz do Sul, conforme levantamento da Prefeitura, 180 delas chamam a atenção. Dispostas em uma extensão de 780 metros em dez quadras, na Rua Marechal Floriano, no Centro, formam o Túnel Verde, que se transformou num símbolo da cidade.

O paisagista Paulo Backes destaca os benefícios do túnel

Plantadas na década de 1940, as tipuanas criaram uma passarela ecológica na principal via do município. Lá, encontra-se um dos pontos mais importantes do comércio local, concentrando uma grande variedade de lojas. E diante da quantidade de pessoas que circulam, os imóveis comerciais se tornaram os mais requisitados no município.

No entanto, a preservação das tipuanas ganhou evidência diante da ampliação e revitalização do calçadão. Inicialmente, o projeto previa a remoção de sete árvores.

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Contudo, o prefeito Sérgio Moraes anunciou a manutenção das espécies que seriam removidas na primeira etapa. Nas próximas semanas, será analisado o destino de outras quatro situadas entre a Júlio de Castilhos e a Ramiro Barcelos.

Em meio ao debate, a Gazeta do Sul ouviu especialistas de diferentes áreas para resolver uma questão. Afinal, é possível conciliar a expansão urbana e o meio ambiente?

Manutenção adequada garante a preservação e melhora o convívio

Natural de Santa Cruz, o agrônomo com mestrado em botânica Paulo Backes destaca os benefícios proporcionados pelo Túnel Verde. Em épocas de temperatura elevada, por exemplo, a sombra das tipuanas que cobre a Marechal Deodoro torna-se um refúgio para os pedestres. Isso porque, segundo o paisagista, a árvore absorve a energia solar para fazer a fotossíntese, amenizando os efeitos do calor.
Também são responsáveis por absorver a poluição do ar, sobretudo dos veículos e da poeira acumulada nas calçadas. Ainda absorve o gás carbônico, tornando a avenida mais refrescante, além de melhorar a qualidade do ar.

Outro benefício da arborização é amenizar os impactos causados pelas chuvas e ventanias. “Túneis verdes são menos afetados pelos temporais de ventos fortes do que árvores isoladas. Uma copa vai ajudando a proteger a outra”, afirma Backes.

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Tamanha relevância, no entanto, parece não ter sido compreendida. Ao visitar sua terra natal no ano passado, o santa-cruzense avaliou que as tipuanas carecem de cuidados. “Todo túnel verde, toda arborização precisa ter uma equipe de manutenção. As árvores precisam, volta e meia, de um manejo. Se tu abandona isso, as árvores vão começar a dar problema”, pondera.

Na avaliação do profissional, a poda, prática comum adotada, acaba prejudicando as árvores. Utilizada na fruticultura para aumentar a produção de frutas, a medida não é recomendada na arborização urbana.
Backes explica que parte dos problemas deve-se ao excesso de poda, porque cria feridas que não cicatrizam, permitindo a entrada de bactérias e fungos responsáveis pelo apodrecimento.

“Quanto mais a árvore mantiver a sua formação original, mais tempo ela resiste”, destaca. Para evitar o avanço da raiz na calçada, atrapalhando a acessibilidade, o paisagista reforça a necessidade de se manter uma área de pelo menos um metro quadrado no entorno da árvore no solo. Sem isso, a raiz começa a expandir-se em busca de água.

A solução comumente aplicada nesse caso, conforme o agrônomo, é a remoção de uma parte do calçamento e colocação de brita para manter a permeabilidade. Cita ainda outra medida emergencial. “Eventualmente, numa situação muito problemática, talvez seja necessário fazer uma poda de raízes. Mas requer cuidado para não afetar a estrutura e a sustentação da árvore”, frisa.

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Tais ações, se realizadas de maneira correta e contínua, melhoram a saúde das tipuanas e permitam que elas possam permanecer no Túnel Verde sem causar impactos. Isso garantirá, ainda, o convívio com os prédios e os pedestres.

Município reafirma compromisso com a preservação das tipuanas

A arquiteta e urbanista Claudia Silva Babick, responsável pelo projeto de ampliação e revitalização do calçadão, ressalta o fato de se tratar de uma demanda antiga da comunidade. Em razão do estado da estrutura de passeio, causa muitas reclamações.

“Ele está irregular, não só pelas raízes, mas também pela falta de manutenção. Os próprios lojistas acabam fazendo só um remendo. E, claro, as raízes se tornam um agravante e o principal problema que danifica os passeios”, afirma.

Antes de iniciá-lo, Claudia realizou uma visita nas vias que passaram pela intervenção, para vistoriar as tipuanas junto com técnicos do meio ambiente. “Olhamos árvore por árvore para avaliar a situação de cada uma, e constatamos quais poderiam trazer problemas. Depois que o projeto foi elaborado, fizemos um levantamento para saber quais seria necessário pedir a supressão.” Também verificaram quais estavam atrapalhando as rampas de acesso das esquinas.

A partir da apuração realizada com a equipe do Meio Ambiente, o projeto contemplou medidas para melhorar e qualificar o entorno das tipuanas. Uma das ações foi a ampliação do canteiro das árvores, que, segundo a arquiteta, quase triplicou. Isso garante a absorção de água e nutrientes necessários, diminuindo a expansão das raízes que invadem as calçadas e outras estruturas. “Qualificando em torno dela, a tendência é ela demorar mais para danificar o restante do passeio”, explica.

Claudia reitera ainda que não houve danos às tipuanas nos trechos que já passaram pela ampliação no calçamento. “Não perdemos ou prejudicamos nenhuma árvore. Estamos fazendo o máximo para que o Túnel Verde continue tendo essa importância que tem hoje e valorizá-lo ainda mais”, acrescenta.

O secretário de Planejamento e Mobilidade Urbana de Santa Cruz, Vanir Ramos de Azevedo, explica que as intervenções não são apenas do ponto de vista urbanístico e ambiental, mas também jurídico. Isso porque, segundo ele, há demandas judiciais movidas por pessoas que caíram na calçada e se machucaram. “E elas entraram contra o Município, que vai ter que indenizar, não tem como discutir isso.” 

Acrescenta que a autorização para retirada das sete árvores previstas inicialmente foi feita de maneira criteriosa, juntamente com a equipe do Meio Ambiente. “Do ponto de vista do governo, reafirmamos nosso compromisso com as tipuanas. Queremos retomar o programa de manutenção que existia lá atrás e foi paralisado”, diz Azevedo.

Prefeito Sérgio Moraes afirmou que não serão derrubadas árvores sem necessidade

A afirmação do titular da pasta foi reforçada pelo prefeito Sérgio Moraes após a assinatura da ordem de início dos trabalhos, na última quarta-feira. Conforme o prefeito, um dos motivos de ter adiado a autorização, após o pedido dos conselhos municipais, se deve ao seu apreço pelo Túnel Verde.

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“É o nosso cartão-postal, e muitas pessoas que vêm a Santa Cruz falam que as tipuanas deixaram uma marca. Então, se não há necessidade de derrubar, não vamos.”

Projeto prevê plantio das quatro árvores que devem ser removidas

Para garantir a manutenção das três árvores que seriam suprimidas no trecho entre a 28 de Setembro e a Júlio de Castilhos, o projeto passará por adaptações. Segundo a arquiteta responsável, uma das medidas será a realocação da faixa para pedestres no início da quadra na altura da 28 de Setembro. “Vamos fazer essa alteração na travessia e melhorar o entorno das raízes”, afirma Claudia Silva Babick. 

Entretanto, tais medidas não poderão ser implementadas na próxima etapa da obra, entre a Júlio de Castilhos e a Ramiro Barcelos, onde quatro árvores devem ser suprimidas. Além dos problemas fitossanitários, que comprometem a saúde das plantas e resultam na queda de galhos, não seria possível realizar a realocação da faixa naquele trecho, por exemplo, sem descumprir as normas da legislação de trânsito, devido ao posicionamento das tipuanas.

Tipuanas situadas entre a Júlio de Castilhos e a Ramiro Barcelos precisarão ser suprimidas

Claudia reitera a necessidade de garantir a acessibilidade aos pedestres, o que implica em garantir condições não só para cadeirantes, mas idosos, gestantes e pessoas com outras dificuldades motoras. “Uma vez que vamos instalar o piso tátil, se ele não estiver alinhado e regular, compromete a pessoa com deficiência física”, acrescenta.

Entretanto, a arquiteta ressalta que já estão prevendo o replantio das árvores suprimidas. Ela afirma que a equipe do Meio Ambiente já indicou algumas espécies que podem ser plantadas. “Estamos na tratativa para ver qual espécie será, se continuará sendo tipuana ou não.”

Tombamento preserva rua mais bonita do mundo

Entre os cartões-postais de Porto Alegre há o túnel verde da Rua Gonçalo de Carvalho, em uma área residencial do Bairro Independência. Plantadas na década de 1930, as cerca de cem tipuanas-tipu têm aproximadamente 15 metros de altura, formando uma passarela que atrai turistas do mundo todo.

Há quase duas décadas, ela ostenta o título de “rua mais bonita do mundo”. A expressão surgiu a partir de publicação de um biólogo português em um blog chamado “Sombra Verde”. Após ver as imagens do túnel na Internet, declarou-a a mais bela, ganhando força nas redes sociais.

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O gesto foi um ato de solidariedade aos moradores, que se mobilizaram para proteger as tipuanas. A iniciativa contribuiu para o tombamento, ao ser considerado um patrimônio histórico, cultural, ecológico e ambiental do município desde junho de 2006. Com isso, preservam a autenticidade da rua, itinerário da rota turística da capital gaúcha.

Presidente e fundador da Associação dos Moradores da Gonçalo de Carvalho (Amogonçalo), Paulo Renato Rodrigues, 73 anos, afirma que o decreto municipal garantiu a permanência das árvores. “Só são permitidas podas, mas a Prefeitura vem falhando muito nesse aspecto.”

Na visão do aposentado, que vive na Gonçalo de Carvalho há três décadas, o túnel verde é agradável não só pela beleza, mas pela sombra proporcionada pela arborização. Além disso, a fama da rua estimulou os condomínios residenciais a trocarem suas calçadas, o que gerou um efeito altamente positivo. “Atualmente, caminhar pela rua virou também uma atração muito agradável, ainda mais nesses dias de intenso calor.”

A associação, segundo ele, garantiu conquistas significativas para a via, como a iluminação e, principalmente, a implantação dos cabos ecológicos. A medida protege os fios, sobretudo de chuvas e ventanias, já que o contato com as árvores leva à interrupção da energia elétrica.

Para Rodrigues, a falta de acompanhamento e manutenção do poder público é uma das principais preocupações. “Pela falta de poda, os galhos cresceram muito e agora, pelo tamanho, quando caem, danificam a rede. Estamos iniciando contatos com a Prefeitura e a CEE Equatorial para solução desse problema.”

Por isso, considera imprescindível que os órgãos públicos façam seu trabalho. Embora não conheça pessoalmente o Túnel Verde de Santa Cruz, julga um retrocesso remover árvores para a ampliação do calçadão. “Aqui, como a rua é tombada, isso seria impossível.”

Exemplo para Santa Cruz

Na avaliação de especialistas, o tombamento da Rua Gonçalo de Carvalho a partir do decreto que a tornou patrimônio histórico, cultural e ambiental pode ser uma alternativa para garantir a preservação do Túnel Verde de Santa Cruz. O paisagista Paulo Backes frisa que a medida impede que ocorra a descaracterização da via na capital gaúcha. “Pode haver manejo ou retirada nos casos de árvores com problemas sérios de fitossanidade”, explica.

O ambientalista José Alberto Wenzel, presidente do Conselho Municipal de Gestão Socioambiental, vê a mobilização dos moradores da Rua Gonçalo de Carvalho como um exemplo. Ele considera o tombamento uma ação viável, desde que tenha regras e normas de monitoramento e acompanhamento fitossanitário das árvores, além da manutenção contínua.

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Wenzel cita uma sugestão que recebeu, de criação de um plano diretor para o Túnel Verde. “É uma maneira de torná-lo patrimônio socioambiental. Devemos fazer de tudo para preservá-lo.” Essa medida ocorre em vários municípios gaúchos, o que, conforme Paulo Backes, permite estratégias de manejo a a partir do mapeamento e análise da saúde das árvores.

Desde 2006, a Rua Gonçalo de Carvalho, localizada em Porto Alegre, é considerada um patrimônio histórico, ambiental e ecológico

Entidades do comércio defendem o Túnel Verde

Para os representantes das entidades ligadas ao comércio e os lojistas, é necessária a manutenção das tipuanas que formam o Túnel Verde. Embora existam queixas relacionadas à queda de galhos e os danos provocados nas calçadas e estrutura dos prédios, a remoção das árvores poderia resultar na descaracterização de um dos principais cartões-postais do município. 

“Não acreditamos na retirada das árvores, até porque elas formam um corredor, um túnel verde que embeleza o contorno do comércio. Sem ele, a área central certamente não seria a mesma”, afirma o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Santa Cruz do Sul e Região (Sindilojas-VRP), Mauro Spode.

Segundo ele, é necessário pensar em soluções para minimizar os problemas que atrapalham os espaços físicos. Ele sugere a manutenção de uma política pública para o cuidado permanente das tipuanas. “É essencial que haja uma manutenção correta e preventiva. A queda de galhos, que pode acontecer sem o cuidado necessário, é um dos riscos para a população que circula por essas quadras”, comenta.

Na avaliação de Spode, o Túnel Verde traz uma série de benefícios que vão além do seu charme e beleza. Cita, por exemplo, o controle do calor. “Em dias como os que estamos vivenciando, com sol intenso e sensação térmica nas alturas, esse espaço verde ajuda a minimizar o calor, fazendo com que as pessoas – e os consumidores – fiquem mais tempo na área.”

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A revitalização, na sua visão, acena como uma valorização do espaço. A consequência, assim que finalizado o processo, é um aumento na circulação e permanência de pessoas. “A contribuição é para toda a cidade, não apenas para o varejo. No entanto, é necessário que a obra tenha início, meio e fim e não se estenda por muito tempo, como ocorreu no passado, nos primeiros trechos do trabalho.”

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Santa Cruz, Ricardo Bartz, reforça a necessidade de preservar o Túnel Verde, evitando ao máximo a retirada de árvores. Diante das eventuais queixas relacionadas aos problemas nas calçadas, frisa que é necessário encontrar ações e manutenção contínua. “Uma vez que seja descaracterizado o nosso cartão-postal, nós não temos como medir os impactos negativos ou até mesmo positivos”, afirma.

Ao avaliar os benefícios econômicos, Bartz avalia que o Túnel Verde é um dos locais mais frequentados, principalmente pelos consumidores, sobretudo durante o verão. E isso torna-se uma vantagem não só para os comerciantes, mas para o mercado imobiliário, já que é uma das áreas mais valorizadas. 

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