Gritos nos telhados emudeceram

O jornalista é um profissional que passa por diferentes situações em um dia. Pode acompanhar uma festa e, na sequência, um acidente que ceifa a vida de um jovem. Vê mãe gritando sobre o caixão da criança quase ao mesmo tempo que noticia a entrega de um prêmio por grandes descobertas e ações inovadoras. Muitas dessas situações abalam, outras motivam, mas há sempre a tentativa de garantir que a transcrição do acontecimento tenha a menor carga de sua emoção para não influenciar no conteúdo.

Nos 28 anos na área da comunicação foram muitas oportunidades de vivenciar a história das fontes, algumas delas viraram amizades, muitas são oficiais e outras preferem repassar a informação “em off” – jargão para quando não quer que a origem da informação seja revelada ou para que aquela situação fique, momentaneamente, em sigilo (até que a apuração seja feita de forma mais adequada, garantindo a lisura da informação).

Todas as histórias são relevantes: o buraco de rua, a lâmpada queimada, a operação de investigação dos órgãos de segurança, o impeachment da presidente da República, o grito dos excluídos, a presença das minorias, a conquista da Copa do Mundo ou o gol marcado no intersérie da escola do bairro. Algumas, claro, ficam na memória de forma mais presente.

Uma delas foi a sequência de catástrofes ambientais que assolaram o Rio Grande do Sul desde setembro de 2023. Em Roca Sales, no Vale do Taquari, que viu boa parte de sua área urbana atingida, moradores do terceiro andar de um prédio relataram que a água já estava no segundo piso quando anoiteceu; ouviam da janela os gritos de socorro de pessoas que estavam sobre os telhados de suas casas; a escuridão prevaleceu, as lanternas apagaram-se, estrondos foram ouvidos e os gritos pararam; os telhados e as moradias não suportaram a correnteza e aqueles que apelavam por ajuda não foram mais vistos.

E o mais irônico é que o Estado vinha de uma série de graves estiagens, de momentos em que o solo rachou por falta da água. Os gaúchos viam a necessidade de interceder por chuva. Mas veio em exagero. Lembrou a situação relatada por Gordurinha e Nelinho na composição da Súplica Cearense, eternizada em 1979 por Fagner, depois pelo grupo O Rappa: “Oh, Deus! Será que o senhor se zangou? E só por isso o sol arretirou, fazendo cair toda a chuva que há? Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho, pedi pra chover, mas chover de mansinho, pra ver se nascia uma planta no chão”.

E tudo isso porque não ouvimos instruções básicas, como as deixadas por Chico Mendes, “que ao mundo fez seu manifesto, um protesto à crueldade e à tirania, das derrubadas, das queimadas… É a Amazônia em agonia”, que virou música de alerta na voz de Simone, aquela do “Então é Natal”.

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