Pelo mundo: intensa e exuberante (parte 1)

“Não sou italiana. Sou napolitana! É outra coisa!”
Sophia Loren, atriz

Em 3 de julho de 1990, Itália e Argentina faziam a semifinal da Copa do Mundo de futebol. Jogando em seu próprio país, os italianos contavam, ao menos teoricamente, com o fator local. Na prática, porém, havia a combinação de dois elementos cruciais: a partida era no Estádio São Paulo, em Nápoles, e, em campo, estava Diego Maradona.

O argentino, atleta do Napoli de 1984 a 1993, havia sido o principal responsável pelo primeiro título da Série A do campeonato italiano (scudetto) na história do clube, em 1987, e pelo bicampeonato, justamente no ano da Copa da Itália. Os torcedores locais, para estupefação do resto do mundo, apoiavam a Argentina, que venceu nos pênaltis. Em 2020, uma semana após a morte do maior ídolo dos napolitanos, o palco da histórica partida passou a se chamar Estádio Diego Armando Maradona.

Tal curiosidade esportiva representa não somente a incondicional paixão pelo clube local, mas é também uma amostra da história e da vida intensa dos napolitanos, povo que viveu sob influência estrangeira na maior parte de sua história.

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Fundada pelos gregos há quase 3 mil anos, Nápoles se uniu à sociedade romana quatro séculos antes de Cristo. A subsequente refundação como Neapolis (cidade nova, em grego) explica o nome atual da terceira maior cidade italiana, hoje com mais de três milhões de habitantes na região metropolitana.

Passados os domínios romano, ostrogótico e bizantino do primeiro milênio, o então formado Reino de Nápoles (1282-1816) compreendia todo o sul da península itálica, na maior parte do tempo sob proteção da Espanha. Em 1816, a Sicília foi conquistada, e o território passou a se chamar Reino das Duas Sicílias, sempre com a capital em Nápoles. Em 1861, a unificação do país liderada por Giuseppe Garibaldi decretou o fim da dinastia Bourbon espanhola na região, anexando o sul italiano (mezzogiorno) ao Reino da Itália.

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São necessários vários dias para visitar minimamente o patrimônio cultural da capital da Campania. Há lugares obrigatórios, como o magnífico Palácio Real, em cuja capela foi realizado, por procuração, o casamento de Dom Pedro II com a princesa napolitana Teresa Cristina, em 1843. Saindo do palácio, uma curta caminhada leva ao Museu Arqueológico Nacional, um dos mais importantes do gênero no mundo, com os tesouros das cidades romanas de Pompeia e Ercolano.

No aspecto gastronômico, as opções são variadas e excelentes, porém Nápoles ficou mais famosa por uma invenção que se tornou preferência mundial: a pizza, criada em 1738 na Antica Pizzeria Sant’Alba, em atividade até hoje. Outro estabelecimento que ainda está em funcionamento é a Pizzeria Brandi, onde, em 1889, foi criada a pizza Margherita para homenagear a rainha Margherita, esposa do rei italiano Umberto I de Savoia. O branco do queijo mozzarella, o vermelho do molho de tomate e o verde do manjericão representam as cores da bandeira italiana.

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Se, há dois milênios, Pedro e Paulo trouxeram o cristianismo para Nápoles, Maradona trouxe o ápice de outra religião local: o futebol. É difícil discernir o clube Napoli dos valores religiosos napolitanos. O culto pelo argentino, que é chamado de MaraDios, é superior até mesmo ao de seus próprios conterrâneos. Lojas de artigos sacros carregam imagens do craque com a camisa azul-celeste do Napoli entre os santos cristãos e, na famosa Rua San Gregorio Armeno, conhecida como Rua dos Presépios, estatuetas de Maradona aparecem misturadas aos protagonistas da natividade.

Nápoles é uma das cidades mais antigas do mundo, mergulhada em exuberância e em elegante decadência que abriga um incalculável tesouro cultural. É uma das urbanizações milenares que adquiriram vida própria, resultado do inconsciente coletivo de povos que honram sua história e veneram tradições ancestrais. Um conceito de difícil entendimento no jovem continente americano.

Após conhecer Nápoles, qualquer outra cidade parecerá lenta. Nas ruas, vielas e praças napolitanas, além das frenéticas motocicletas, dos vivazes nativos e de seu dialeto inconfundível, correm sangue e energia de três milênios de história. A cidade que vive extremos, das lágrimas à euforia, explica a expressão usada na Itália para se referir a fortes emoções: “um drama napolitano”. (continua)

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