José Alberto Wenzel: “Folhas verdes”

EVA move-se silenciosa. Parece conhecer cada recanto do Cinturão Verde, que contorna, em meia lua, a cidade que o invade. Desvia de um tronco, agarra-se a um cipó, firma o pé esquerdo no chão úmido e observa. Atenta, escuta os sons da mata. Saúda suas criaturas. Ao escorregar numa pedra limosa, lembra do esposo, Nélio, falecido há alguns anos. Ele sofrera muito com um estranho zumbido no ouvido, a ponto de ser internado na Casa de Saúde, onde Eva trabalhara como cozinheira, para custear a estadia do marido.

Por um instante, Eva pensa em desistir. Por que retornar à pedra que mudara sua vida? Decide prosseguir. Antes, analisa a subida, cortada pelo córrego. Conhece bem a água, que brota logo acima. Fora junto à fonte que Otto, o médico de Nélio, tomara em suas mãos os seus pés e os lavara. De início, o médico pedira que ela se sentasse num tronco coberto por pequenas plantas esverdeadas. Lembrou do convite: “Sente aqui. Não parece um banco de flores verdes?”

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Flores verdes… Estranho… Pensara nas rosas, nas margaridas, nos lírios, no jasmim, que crescera livre junto à varanda de sua casa materna. “Como era lindo o jasmim!”. À tardinha, dezenas de pequenos pássaros voltavam para o caramanchão e ali ficavam até o dia amanhecer, para então revoar e, no fim do dia, novamente retornar. Porém, flores verdes lhe soara estranho. Se o médico assim falara, deviam existir, pensou.

Não tardou para retornar aos pés já não sendo apenas lavados, mas acariciados. “Espera um pouco”, acrescentara Otto. Ele havia cavado uma pequena poça. Titubeante, ela mergulhara seus pés na água mais farta. Farta e sedenta como só as águas das nascentes puras podem ser. A contragosto, dissera ao médico que já estava livre do lodo e que precisava voltar para suas tarefas na cozinha. Argumentara que muitos pacientes aguardavam pelo café servido à tardinha. Também ele, embora ansioso por ali permanecer, entendera que deveriam retornar.

Um leve sorriso, destes que se sente internamente, iluminou os olhos escuros de Eva. Brincou consigo mesma. Teria sido Nélio o seu Adão, e Otto a sua verdadeira paixão? Amara seu marido. Fora a parceira dele. Largara a casa onde nascera e crescera e passara a morar com Nélio. Tudo para acompanhá-lo na busca pela cura na casa de saúde natural, dirigida pelo conceituado médico Otto. Todos o conheciam (ou, ao menos, ouviam falar dele).

Os vizinhos lhe haviam garantido que só Otto poderia curar seu esposo. O zumbido atingira um grau insuportável. Vira Nélio sair correndo, com as mãos junto à cabeça. No dia em que começara a golpear a cabeça contra a parede da porta da entrada para o quarto de casal, tomaram a decisão. Largaram tudo. Tudo que não era muito. Uma casa simples construída na pequena propriedade. Moradia instalada a 100 metros do corredor que levava à vila, onde, aos finais de semana, os moradores locais celebravam encontros comunitários.

Impossível não recordar dos sapatos que levava na sacola para calçá-los já próximo ao pavilhão comunitário. Tivesse usado eles desde a saída da casa, teriam ficado embarrados. Eva permite-se rever seus pés. Os mesmos limpados pelo médico e abrigados nos sapatos calçados junto à vila. Porém, era preciso seguir.

E assim faria, não fosse um ruído ensurdecedor. Por certo Nélio não teria suportado. Era o ranger de dentes de uma motosserra. Eva subiu o barranco. Apuroou os ouvidos para identificar a origem da invasão perturbadora. Com ela, a floresta inteira entrincheirou-se em si mesma. O incômodo rangeu fundo no corpo de Eva. E na floresta. Seguiu-se um baque mortal. Uma gigantesca árvore fora abatida.

Era hora de convocar as forças da natureza. Eva sussurrou ao ar nativo a mensagem convocatória. Todos os habitantes da mata deveriam se encontrar, logo ao escurecer, junto à pedra encantada. E assim fariam.

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