
Crianças com deficiência, Pedro e Hugo encontraram em diferentes sistemas de tecnologia assistiva formas de eliminar barreiras da comunicação. Conheça Pedro, adolescente que ‘descobriu a voz’ com a comunicação alternativa
O uso de estratégias e equipamentos tecnológicos permite que crianças com deficiência que não falam “encontrem a voz”, e possam se comunicar de forma autônoma.
Seja usando os dedos para emitir comandos ou um mouse que rastreia o movimentos do olhos, Pedro Domingues e Hugo Samuel começam a ser ouvidos para além das famílias, e podem, no ambiente escolar, mostrar que podem e conseguem aprender.
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As descobertas de Pedro e Hugo estão entre os bons exemplos de trabalhos desenvolvidos em escolas públicas, e retratados na série de reportagens ‘Ser Acessível’, coprodução g1 e EPTV que aborda questões relacionadas a educação acessível.
⬇️ Confira, abaixo, como os trabalhos com duas crianças não oralizadas de Campinas são desenvolvidos e qual o impacto positivo nas vidas das crianças e de suas famílias.
#paratodosverem: Detalhe de uma tela com uma das figuras de comunicação alternativa, a ilustração estilizada de uma pessoa na cadeira de rodas e logo atrás dela, traços horizontais, que indicam uma cadeira em movimento. Escrito abaixo: “EU QUERO CORRER”
Ricardo Custódio/EPTV
‘Eu quero correr’
A frase curta, emitida por uma voz sintetizada, é mais que o simples anúncio de um momento de brincadeira. É sinônimo de autonomia, alegria e vida para Pedro Domingues, de 13 anos, diagnosticado com síndrome de Perisylvania, condição que afeta em especial a parte motora e que o faz um adolescente não oralizado, ou seja, que não fala.
Com uma habilidade ímpar, Pedro fez da cadeira de rodas uma extensão de seu corpo. E ama poder atravessar o pátio da escola em alta velocidade, atraindo olhares, fazendo amigos. Pedro encontrou na tecnologia assistiva a voz que a condição médica o impediu de ter.
Lanterna, cozinha…
Na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) onde a professora desenvolve o uso de sistema de comunicação alternativa e amplia seu vocabulário por meio de um computador e um tablet, Pedro deixa claro, para quem deseja saber, quem ele é, o que quer, o que gosta de fazer.
🔦 A paixão por lanternas, por exemplo, está ali. Vira e mexe a mão ágil aciona a imagem na tela que, acompanhada da voz sintetizada, expressa um de seus interesses.
🧑🍳 Brincar de ser chef de cozinha também está entre seus prazeres. Prepara diferentes receitas disponível na caixa de peças plásticas, mas não se esquece de cobrar o pagamento a cada prato entregue – há um comando apenas para isso, e ele sorri cada vez que o dinheiro entra na pequena caixa registradora.
Cercado por um ar de brincadeira, o sistema, em desenvolvimento para que Pedro use na escola e na vida cotidiana, é o responsável por eliminar a barreira da comunicação.
“Dentro de casa ele faz os gestos dele que eu e o pai dele entendem. Só que no dia a dia, com outras pessoas, elas não vão entender direito. Então, ele vai conseguir se expressar melhor com esse projeto de comunicação alternativa”, defende a mãe, Priscila Santos Pedreiro.
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#paratodosverem: Close de Pedro Domingues sorrindo e olhando para o brinquedo
Ricardo Custódio/EPTV
‘Quero ver ele assim’
A mãe conta que Pedro compreende tudo o que é conversado, e fica estressado quando não consegue estabelecer uma comunicação com outras pessoas, ou quando a outra pessoa deixa de perguntar algo diretamente para ele, e o faz aos pais.
“Ele não quer que a pessoa pergunte para mim ou o pai dele. Por mais que ele tenha essa dificuldade, ele já é um adolescente. A gente vê que ele quer ser independente, quer se comunicar do jeito dele, fazer as coisas do jeito dele. E eu quero ver ele assim”, diz Priscila.
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E como mudar essa realidade? Para Priscila, o recurso de comunicação alternativa que vem sendo desenvolvido na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) permite um vislumbre de futuro mais independente para o Pedro na vida escolar.
“Ele vai conversar com o professor, conseguir até tirar uma dúvida que tenha. Conversar melhor com os amiguinhos dentro da sala, no intervalo da escola. E com a família também. É muito importante ele conseguir se comunicar, porque eu vejo o tanto que ele quer aprender. O Pedro é muito curioso, e sempre aprendeu tudo muito rápido”, explica a mãe.
Desenvolver essa habilidade permite, além de eliminar a barreira da comunicação, vencer outros preconceitos, como o capacitismo.
Segundo Priscila, é comum, pelo fato do Pedro ser uma criança não oralizada, que algumas pessoas pensem que ele tem uma mentalidade menor que da idade dele de fato.
“Tem gente que fala: ‘nossa, ele tem essa idade, mas a mentalidade é de seis anos’. Não, não é assim! Só porque ele tem certa dificuldade em se expressar, conversar, não quer dizer que ele tenha mentalidade de criancinha. Estou tirando esse negócio de as pessoas acharem isso. Ele é capaz, capaz de se expressar. Só precisa das ferramentas certas. Igual está tendo agora”, completa a mãe.
#paratodosverem: Tathiane Cuesta ao lado do computador, que tem na tela figuras ilustradas com cenas do dia a dia. Tathiane é branca de cabelos ruivos lisos e longos
Ricardo Custódio/EPTV
Eliminar barreira trouxe emoção! A professora de educação especial Tathiane Rubin Rodrigues Cuesta, responsável pelo trabalho de comunicação alternativa com o Pedro há sete meses no contraturno escolar, conta que apresentar a ferramenta ao Pedro foi motivo de emoção para o estudante e a família.
“Quando o Pedro, logo no começo, entendeu que a hora que ele apertava e falava uma voz, eu fazia o comando dele, ele olhava e sorria muito emocionado. Eu mandei essa imagem pra mãe, que disse que agora as pessoas poderiam saber o que tem na cabeça do Pedro, o que ele pensa e quer transmitir. Ele consegue aprender. Com o equipamento certo, ele tem condições de aprender”, destaca Tathiane.
Como parte de seu trabalho na SRM do CEI João Vialta, Tathiane avalia o recurso de tecnologia assistível mais aplicado para cada caso, e ensina seu uso para que o aluno depois utilize na vida escolar, na vida cotidiana.
E como é esse investimento em tecnologia? No caso do Pedro, ele tem um tablet fornecido pela prefeitura de Campinas, com o sistema de comunicação alternativo, que em uma próxima etapa, será implantado para uso em sala de aula – ele é aluno do 8º ano do ensino fundamental 2 na Escola Municipal Padre Leão Vallerie.
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Falando pelo olhar
Assim como Pedro, o pequeno Hugo Samuel, de 8 anos, tem muito o que falar. Pelo olhar brilhante e o sorriso cativante, deixa claro quando está feliz, quais são suas preferências e o que o diverte.
Hugo tem paralisia cerebral, condição que afeta principalmente a parte motora. Ele também não é oralizado, mas entende o que está a sua volta e também responde, ao seu tempo, ao seu modo.
Conhecendo o Hugo! Para a construção da reportagem, eu, Fernando Evans, conheci o Hugo uma semana antes das gravações.
A ideia era me tornar um rosto conhecido para que câmera, luz e o movimento anormal no seu dia a dia não atrapalhasse o desenvolvimento na sala de recursos.
#paratodosverem: Grande close de Hugo sorrindo diante da tela. Em seus olhos, o reflexo da tela. Ele é branco de olhos e cabelos curtos castanhos
Ricardo Custódio/EPTV
Depois de um sinal inicial de desconfiança, Hugo falou pelo sorriso, pelo olhar. E demonstrou uma semana depois, com os mesmos elementos, que me reconhecia, e que tinha uma dívida com ele.
Como qualquer criança da sua idade, achou engraçada a proposta de que me veria dançando quando tocasse alguns instrumentos. E sorriu quando disse que cumpriria a promessa. E sabe como ele faria isso? Apenas com o olhar.
E qual a tecnologia assistiva usada com o Hugo? Depois de brigar com o mundo para provar a capacidade do filho, Priscila Cristina Jota Dias, de 41 anos, encontrou no trabalho da professora um caminho para provar que Hugo aprende, e pode se comunicar. E isso com auxílio de um mouse ocular.
“É um mouse que faz o rastreio do movimento dos olhos e possibilita a pessoas que não têm controle de movimento algum fazer a interação com o computador, com comunicação alternativa, fazer atividades pedagógicas”, explica Tathiane.
Obter resultados positivos desde o primeiro uso emocionou a professora e a mãe.
“A professora de educação especial da escola dele encaminhou para a Tathi, e disse que havia a possibilidade dele usar o computador pelos olhos. Eu fiquei toda feliz. No primeiro dia, a Tathi veio e me disse: ‘Priscila, estou maravilhada com o Hugo’. Me emocionei porque ele consegue se comunicar. Até chorei”, lembra.
E assim como Pedro, Hugo vai, aos poucos, ampliando o vocabulário e habilidades por meio da ferramenta.
Pelo olhar, fez com que eu dançasse como havia prometido, e pelo sorriso deixou claro que gostou da brincadeira. E o quanto está feliz podendo ser ouvido.
#paratodosverem: A mãe Priscila e o filho Hugo, que está na cadeira de rodas, sorriem alegremente
Ricardo Custódio/EPTV
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