
Resultados foram publicados pela revista britânica Journal of Neurochemistry, em janeiro deste ano, e abrem portas para desenvolvimento de remédios mais eficazes. Pesquisa da Unicamp mostra como proteína pode influenciar surgimento da esquizofrenia
Getty Images via BBC
Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou como uma proteína influencia a estabilidade da mielina, protagonista na transmissão dos impulsos nervosos. O estudo concluiu que a desregulação da molécula pode ter uma participação-chave no início da esquizofrenia.
Os resultados, publicados pela revista britânica Journal of Neurochemistry em janeiro deste ano, abrem portas para o desenvolvimento de remédios mais eficazes e capazes de devolver a qualidade de vida aos pacientes.
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🧠 Em entrevista ao g1, Daniel Martins-de-Souza, professor de Instituto de Biologia (IB) e orientador da publicação, detalhou que o grupo percebeu que a proteína hnRNP A1, além de ser importante no processo de formação da bainha de mielina, está envolvida na manutenção da integridade da “cápsula” protetora dos neurônios. A desfunção da molécula pode desencadear o transtorno ainda na gestação.
A esquizofrenia é uma doença que, quando aparece na forma de sintomas, já é cronicamente estabelecida numa pessoa. A gente descobriu que tem uma proteína [hnRNP A1] que, aparentemente, tem potencial de estar atuando durante o início do desenvolvimento da doença — ou seja, no momento que a pessoa nem sintoma tem.
➡️ O que pode causar a esquizofrenia?
O cérebro é composto por dois tipos de células: os neurônios e as células de glia. Apesar de não terem a mesma fama, as células de glia desempenham diferentes funções especializadas no sistema nervoso.
Segundo o pesquisador, o trastorno seria desencadeado por uma falha no oligodendrócito, uma célula glia que comporta a proteína hnRNP A1 e carrega consigo a responsabilidade de fazer a bainha de mielina, uma estrutura composta por uma membrana que protege os neurônios.
🧠 Os axônios, a parte do neurônio equivalente a um “braço” que se liga a outro neurônio em uma sinapse, são envolvidos pela mielina, garantindo assim o seu bom funcionamento, e impedindo a perda na transmissão de impulsos de um neurônio a outro.
Caso os neurônios não estejam devidamente encapados, a transmissão de informações e comandos não acontece corretamente. Isso é o que ocorre na esquizofrenia.
As células da glia protegem e dão suporte aos neurônios
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➡️ Qual é a relação da proteína com a esquizofrenia?
O estudo mostrou que o hnRNP A1, que faz parte do oligodendrócito, tem o papel de regular o processamento do RNA mensageiro, ou seja, em ajustar como a bainha de mielina é cortada e montada, determinando quais proteínas serão produzidas e em quais quantidades.
A proteína já estava relacionada com a esquizofrenia em outras pesquisas feitas com tecido cerebral de humanos com o diagnóstico e com células cultivadas em laboratórios, mas os pesquisadores da Unicamp perceberam que a desregulação dessa proteína pode ter uma participação-chave no início do transtorno.
Há um consenso que a esquizofrenia é causada por um conjunto de anormalidade em várias proteínas, porém o professor ressalta que a hnRNP A1 “tem o potencial de estar já desregulada desde o início do neurodesenvolvimento”, e os seus estudos indicam que ela “parece ser uma das importantes” no desencadear da doença.
➡️ Essa descoberta pode trazer a cura da esquizofrenia?
Ainda não. Daniel esclarece que não existe um consenso entre psiquiatras e profissionais da área de saúde de que a esquizofrenia sequer é uma doença curável, ou se um dia qualquer medicamento ou tratamento poderá trazer a total remissão do quadro clínico.
O profissional ressalta que o foco da comunidade científica ainda é controlar a doença. “Das pessoas com esquizofrenia, metade delas não responde adequadamente aos tratamentos atualmente usados”, diz
Mesmo as pessoas que são tratadas e têm uma suposta boa resposta à medicação, nem todas elas conseguem voltar a trabalhar, a se relacionar adequadamente. O prejuízo cognitivo e das relações sociais é muito intenso numa pessoa com esquizofrenia — mesmo naquelas que recebem tratamento e supostamente respondem bem à medicação”
A elucidação do papel da hnRNP A1 no transtorno abre as portas para que novos medicamentos sejam criados. Os pesquisadores constataram que a molécula é essencial no momento em que os neurônios passam por mielinização, processo de produção da bainha de mielina.
“Essa proteína é um novo alvo e a gente agora tem que acertar nesse novo alvo para conseguir tratar melhor a doença”, explica o professor.
Todavia, o professor ressalta que o trabalho deles ainda é inicial, e que não vão surgir novas soluções clínicas imediatamente. “A gente está fornecendo evidências de onde é que nós temos que olhar para quando fomos desenvolver medicamentos”, diz.
Daniel Martins-de-Souza, pesquisador da Unicamp
Reprodução/Globoplay
🤰🏼 Ainda na barriga da mãe
O estudo também fortalece a hipótese de que a esquizofrenia surge durante o neurodesenvolvimento em útero, quando o cérebro do feto está sendo formado. Nesse momento, algumas proteínas oligodendrócito (como a hnRNP A1) já apresentam a disfunção.
“Isso faz com que o cérebro não se desenvolva direito. E é justamente na época do final do neurodesenvolvimento da nossa vida que os sintomas emergem. O neurodesenvolvimento se dá até quase os 20 anos de idade, então, os pacientes com esquizofrenia justamente têm os sintomas aparecendo nessa fase da vida [entre 16 e 25 anos]”, explica o professor.
Daniel também explicou que, além de olhar para as moléculas, os pesquisadores fizeram uma análise comportamental dos ratos participantes do estudo.
O grupo percebeu que, quando as alterações na célula ficavam evidentes e semelhantes ao visto em pacientes com esquizofrenia, notava-se que não havia uma mudança no comportamento dos animais.
“Ao passo que o neurodesenvolvimento não é adequado, os sintomas só aparecem na pessoa anos depois. Então, ou seja, a desregulação daquela proteína, ela vai, de certa maneira, silenciosamente, mudando a forma com a qual o cérebro vai se modulando, se moldando, sem que, necessariamente, os sintomas apareçam”, relata o professor.
O camundongo, espécie bastante utilizada em testes científicos
PEXELS
➡️ Como eles chegaram a esses resultados?
🔬 Os pesquisadores conseguiram chegar a essas conclusões por meio de experimentos com camundongos. Os testes tinham o objetivo de induzir uma neurodegeneração cerebral nos animais e estudaram o papel da hnRNP A1 no oligodendrócito a partir deste quadro.
Daniel explica que eles usaram um modelo de desmielinização, em que os camundongos perdiam a bainha de mielina, assim como os pacientes com esquizofrenia e outras doenças neurodegenerativas, como a esclerose múltipla.
Os animais eram alimentados com uma comida que tinha um composto chamado cuprizona, que atua promovendo a desmielinização dos neurônios.
Os camundongos vão perdendo a mielina, como acontece na esquizofrenia e em algumas doenças neurodegenerativas como esclerose múltipla.
Após essa perda, os pesquisadores interromperam o uso da cuprizona, e automaticamente a espécie retomou a mielinização.
Os pesquisadores injetaram no animal um composto que desfaz a hnRNP A1.
Quando a gente usa o inibidor, esses animais apresentam mudanças na bioquímica do cérebro, alinhadas com o que acontece na esquizofrenia. Ou seja, provavelmente na esquizofrenia, no momento que o cérebro tá sendo formado e mielinizando, essa proteína está disfuncional e faz com que o cérebro não se desenvolva adequadamente.
*Estagiária sob supervisão de Gabriella Ramos.
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