Acumular ou desapegar? Entenda por que guardar tem a ver com envelhecer e veja dicas para se livrar do excesso


Desapegar pode ser estressante: neste artigo, a professora Mary E. Dozier, da Universidade Estadual do Mississippi, explica como valores pessoais podem facilitar o processo. Transtorno de acumulação é uma condição psiquiátrica caracterizada por um forte impulso de guardar objetos e pela dificuldade de se desfazer dos pertences.
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Recentemente, ajudei minha mãe a organizar algumas caixas herdadas após o falecimento dos meus avós. Uma delas estava rotulada – ironicamente ou genuinamente – como “porta-palitos e outros tesouros”. Dentro, encontramos várias lembranças de momentos agora perdidos na história – embora nenhum porta-palitos.
Meu item favorito entre os que analisamos foi uma peça solitária de quebra-cabeça, um reflexo da mania da minha avó de esconder a última peça do jogo só para aparecer no final e completá-lo.
Após várias horas relembrando memórias, minha mãe e eu jogamos fora 90% do que organizamos.
“Por que eu guardei isso?” é uma pergunta que ouço com frequência – tanto da minha família e amigos quanto dos meus pacientes. Sou psicóloga clínica licenciada e minha pesquisa se concentra na caracterização, avaliação e tratamento do transtorno de acumulação, especialmente em adultos com 60 anos ou mais. Por isso, passo muito tempo refletindo sobre essa questão.
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O que nos leva a guardar coisas?
O transtorno de acumulação é uma condição psiquiátrica caracterizada por um forte impulso de guardar objetos e pela dificuldade de se desfazer dos pertences. Em casos graves, isso pode gerar um nível de desordem que compromete a funcionalidade da casa e até representa riscos, como incêndios. No entanto, em minha experiência, muitas pessoas sofrem com a bagunça mesmo sem preencher os critérios clínicos para o transtorno.
Guardar objetos com valor sentimental ou que podem ser úteis no futuro faz parte do envelhecimento. Para algumas pessoas, no entanto, essa tendência cresce com o tempo, a ponto de atender aos critérios para o transtorno de acumulação. Mudanças na função executiva do cérebro associadas ao envelhecimento podem explicar o aumento da prevalência do transtorno em idosos, já que a dificuldade crescente em tomar decisões também afeta a organização da casa.
O modelo tradicional desse transtorno sugere que a dificuldade de se desfazer dos objetos vem da angústia ao tomar decisões. Porém, minhas pesquisas indicam que isso pode ser menos relevante para os mais velhos.
Durante meus estudos de pós-graduação, realizei uma pesquisa em que pedimos a adultos com transtorno de acumulação que passassem 15 minutos decidindo quais itens manter ou descartar. Eles podiam escolher qualquer coisa de casa para organizar, e a maioria optou por papéis – como cartas, correspondências antigas ou anotações.
Descobrimos que os participantes mais velhos tendiam a sentir menos estresse ao tomar essas decisões. Além disso, muitos relataram emoções positivas ao organizar seus pertences.
Pesquisas recentes da minha equipe replicaram esse achado em um experimento realizado nas casas dos participantes, sugerindo que o medo de tomar a decisão errada não é o principal motivo pelo qual acumulamos objetos.
Na verdade, um estudo publicado em agosto de 2024 com adultos acima de 50 anos revelou que o altruísmo – a vontade de ajudar os outros – pode explicar por que algumas pessoas guardam itens que outros descartariam. Comparando perfis de personalidade de pacientes com transtorno de acumulação e de pessoas da mesma idade sem o transtorno, descobrimos que os primeiros tinham escores significativamente mais altos em altruísmo.
Isso também aparece frequentemente em minha prática clínica. Muitos pacientes dizem que guardam algo por um senso de responsabilidade – seja pelo objeto em si ou pelo impacto ambiental de descartá-lo.
“Quero que isso tenha um bom destino” e “minha avó me deu isso” são justificativas comuns. Ou seja, as pessoas podem manter objetos não por medo de perdê-los, mas porque consideram isso coerente com seus valores.
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Valores como guia
Em um estudo de 2024, minha equipe demonstrou que uma abordagem baseada em valores ajuda idosos a reduzir a desordem em casa e melhora seu bem-estar emocional.
Durante seis semanas, clínicos visitaram semanalmente as casas dos participantes e utilizaram uma técnica chamada entrevista motivacional, que os ajudava a refletir sobre suas decisões ao organizar seus pertences.
Descobrimos que começar o processo identificando valores pessoais ajudava os participantes a manter o foco nos objetivos de longo prazo. Muitas vezes, as pessoas se concentram no prazer imediato que um objeto pode trazer e se esquecem de avaliar seu significado e propósito mais amplos.
Os valores são as crenças abstratas que usamos para definir nossos objetivos. Eles podem incluir família, fé, praticidade, criatividade ou qualquer outra prioridade pessoal.
Como os valores são subjetivos, o que uma pessoa decide manter também é. Por exemplo, o vestido que usei no casamento da minha irmã me lembrava um dia especial. No entanto, quando ele já não me servia mais, doei-o, pois isso era mais coerente com meus valores de utilidade e generosidade – eu queria que outra pessoa pudesse usá-lo. Alguém que valoriza mais a família e a estética poderia decidir mantê-lo pelo seu significado afetivo.
Além disso, em vez de desafiar os motivos que alguém tem para guardar um objeto, é mais eficaz ajudá-lo a refletir sobre suas razões para descartá-lo e sobre os objetivos que deseja para seu lar e sua vida.
Dicas para se livrar do excesso
Com base na minha pesquisa sobre entrevista motivacional para organização e nos achados de um ensaio clínico em andamento, reuni algumas dicas práticas para quem deseja organizar sua casa. Embora meu trabalho foque em idosos, essas estratégias são úteis para todas as idades.
✅ Defina seus valores por escrito. Cada objeto em sua casa deve estar alinhado com o que é importante para você. Se tradição e fé são valores centrais, pode fazer sentido manter um livro de receitas feito pelos anciãos da sua igreja, enquanto um livro de receitas comprado impulsivamente pode ser mais fácil de descartar.
✅ Estabeleça metas para o espaço que está organizando. Você quer liberar sua mesa para trabalhar melhor? Criar espaço na cozinha para cozinhar com seus netos? Essas metas ajudam a manter a motivação.
✅ Lembre-se de que seus valores podem entrar em conflito. Nesses momentos, reflita sobre qual decisão o aproxima mais dos seus objetivos para o ambiente.
✅ Respeite a subjetividade dos valores. Se estiver ajudando alguém a organizar a casa, mantenha uma atitude curiosa e sem julgamentos. Onde você vê uma caixa de tralhas, sua avó pode enxergar “porta-palitos e outros tesouros”.
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