Terra inquieta

Eva mostra a Tanice a lasca hexagonal de arenito com o entalhe da planta. Surpresa, Tanice, que saíra do deserto do Saara, passara pelas ilhas do Cabo Verde, toma em suas mãos o fragmento: “Será uma planta mesmo? Estas duas linhas de orientação noroeste correspondem às fraturas geológicas que conduzem a esta cratera.” Eva interrompe: “As duas cobras que seguem conosco, talvez, tenham a ver com as duas linhas.” “Sim, pode ser. As cobras conhecem os segredos das rochas. Mas observem: o que parece uma planta pode significar mais alguma coisa…” Tanice deixa suas reflexões pairando no ar. “Você é geóloga?” questiona Cristian. Tanice explica: “Estudei geologia, biologia, geografia e filosofia. Mas estou tentando ser naturalista, alguém que fala e canta com a natureza.” Encantados com a presença de Tanice, todos atendem a seu convite: “Vamos descobrir o que tem lá embaixo. Vocês vêm?”

Uma sinuosa trilha conduz às profundidades da feição abissal. À frente, junto a Tanice, as duas cobras deslizam com segurança, condição dificultada aos demais.

Breves paradas motivam descanso. Num desses refúgios reparadores, Cristian evoca à meia voz: “Lembrei da Divina Comédia de Dante Alighieri. Você, Tanice, se parece com a Beatriz, a condutora aos círculos celestiais, enquanto Virgílio conduz às profundezas infernais e ao purgatório”. A naturalista ensaia um breve sorriso, mas se posiciona: “Tudo bem, mas a natureza não é feita de inferno, purgatório e firmamento. Somos nós que não conseguimos entender a linguagem natural”. Cristian aceita a consideração de Tanice: “É verdade. Tenho vivenciado isso. Acredito que o contato com a natureza nos cure. Mas você vai além. Você sente a natureza na sua essência.” Tanice retruca: “Quase nada sei. Sou uma aprendiz. Vamos aprender juntos?”

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Ao passarem junto a um paredão, Tanice instrui. “Esta rocha existia antes dos basaltos, formados pelas lavas vulcânicas, que vieram do manto da Terra. Se trata de um arenito que já foi deserto, parecido com o Saara de onde vim.” Curiosos, todos queriam saber mais.

A naturalista a todos atende. Passam a noite junto às antigas dunas transformadas em rocha. Ao amanhecer, o caminho se faz convite aceito. Algumas paradas adiante, encontram uma rocha avermelhada de estrias esbranquiçadas: “Aqui já foi lago e rios”, esclarece Tanice. “E os dinossauros também viveram aqui!” exclama a criança. “Sim, havia muita vida nesse tempo”, responde a naturalista.
Um novo entardecer se infiltra pela ramagem. “Chegamos! Sintam as colossais forças da terra, sempre em mudança. Forças inquietas, interativas e transgressoras. Que privilégio estarmos aqui”, proclama Tanice em voz reverente.

Líris não perde tempo: “Acorda, bonequinha. Precisas ver isso aqui. Estamos nas veias da terra. Tanice, mostre também para a bonequinha da tua conchinha o que estamos vendo.” A naturalista recolhe em suas mãos a relíquia coletada no Cabo Verde e a aproxima da bonequinha de Líris. “Posso tirar uma foto?”, pergunta a criança. Sem esperar resposta, a criança faz o olho de seu celular documentar o cenário em volta. Mais teria registrado não houvesse terminado a bateria do aparelho. “Tenho mais um, para casos como este. Mas este é teu, Líris. Aceitas o presente?” Líris agradece e passa a filmar tudo o que consegue.

“Depois desta vivência nunca mais seremos as mesmas”, considera Irene. Em tom de brincadeira séria, emenda: “Eva, hoje ficou claro que não foi você a culpada pela perda do paraíso. Nem foram as cobras que te aliciaram.” “Irene, o que dizes é uma questão de justiça universal originária”, retorna Tanice.
Cristian, por sua vez, pondera: “está aqui a cura natural. Quanto procurei por isso ao tempo do Sanatório… Fazia os pacientes caminhar descalços na relva úmida, rodiziava banhos quentes e frios, aplicava emplastros de lama, recomendava soníferos e por aí vai. Hoje faria muita coisa diferente…” “Parece tudo invertido” avalia a criança.

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