O reverso do pecado

Há uma cena de Seven, filme de 1995 reexibido nos cinemas recentemente, que se fixou em minha memória e provavelmente vai ficar por lá. William Somerset e David Mills (a dupla de policiais interpretada por Morgan Freeman e Brad Pitt) conversam em um bar, tentando relaxar em meio à investigação dos crimes bizarros de John Doe, o assassino dos sete pecados capitais.

Somerset é um veterano que conta as horas para se aposentar. Em 35 anos de trabalho na polícia, viu absurdos demais para acreditar que o mundo vá se tornar um lugar decente qualquer dia. Para ele, o pior nem é a violência, mas a estranha indiferença da sociedade, que parece transformar em banalidades hoje coisas que eram inaceitáveis há uma semana.

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Quando Somerset diz a Mills: “Não posso continuar vivendo em um mundo que abraça e cultiva a apatia como se fosse uma virtude”, é nesse terreno que está pisando. Mas a única reação que consegue ter é ele próprio tornar-se desencantado e soturno. Sua declaração de que “a apatia é a solução” é ao mesmo tempo irônica e amarga, de quem já se entregou. Mills, por sua vez, é o oposto: um jovem no início da carreira, convicto de que pode fazer a diferença.

Que Seven termine de forma tão cruel para Mills faz jus à fama de pessimista e niilista que o filme carrega desde 1995. Mas talvez nem tudo seja terra arrasada. Já foi dito que Seven não trata só de crimes, mas também de virtudes, embora isso não salte aos olhos. Em certo momento, o culto Somerset lembra que a cada um dos sete pecados capitais – gula, avareza, preguiça, soberba, luxúria, inveja e ira – corresponde uma virtude: temperança, generosidade, dedicação, humildade, castidade, caridade e mansidão.

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Prestando atenção, é possível perceber todas elas em Somerset. As virtudes capitais surgem nos detalhes, em pequenos gestos e atitudes. Nada que se compare ao estrondo furioso provocado por John Doe, o terror dos pecadores. Que, curiosamente, também se revolta com a apatia. “Nós vemos um pecado capital em cada esquina e o toleramos. Porque é comum”, diz.

Há os que tentam corrigir o mundo deixando-o muito pior, e há os que resistem a isso. Ainda que inconscientemente, quase sem nem perceber.

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