Pelo mundo: nutrido pelo fogo e pela tradição

Uma das formas de absorver o espírito de uma nação é entender sua relação com os vizinhos de fronteira. O Azerbaidjão, pequeno país entre a Ásia Central e a Europa Oriental, mantém com a Rússia uma mistura de respeito e temor diante da história passada e presente.

Com a Geórgia e o Irã, há um amistoso convívio. Animosidade e recentes conflitos territoriais em torno do enclave étnico e cristão da República de Artsaque (Nagorno-Karabakh, internacionalmente reconhecido como parte do Azerbaidjão) marcam a relação com a Armênia. Por último, com a Turquia, existe uma amizade fraternal de duas nações que dividem tradições turcomanas, língua (o azerbaidjani e o turco são quase intercambiáveis) e a religião muçulmana – de maioria xiita no Azerbaidjão e sunita na Turquia, com ambos os estados oficialmente laicos.

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Embora não tenha acesso ao oceano, o imenso Mar Cáspio, maior lago do mundo, proporciona a riqueza mineral que desenvolve o jovem país. Às margens do Cáspio, a capital Bacu é uma amostra da rapidez do desenvolvimento das últimas décadas. Há 40 anos, a cidade era um povoado de 40 mil habitantes. Hoje, 2 milhões de pessoas usufruem de excelente infraestrutura, modernas construções e ótimo acesso à educação, saúde e lazer, alimentados por petrodólares.

O território do Azerbaidjão fez parte dos impérios persa, aquemênida e timúrida no sempre disputado sul do Cáucaso. No século 19, a região fazia parte do Irã quando eclodiram as guerras entre os persas e o Império Russo, de 1804 até 1828. A região foi forçadamente cedida ao czar e permaneceu parte da Rússia até a revolução bolchevique. O colapso da Rússia Imperial foi a oportunidade que os azeris esperavam para proclamar a independência, em 1918. A alegria durou pouco e, dois anos depois, o Exército Vermelho avançou sobre Bacu, convertendo o Azerbaidjão em uma das repúblicas soviéticas.

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A segunda e definitiva independência veio em agosto de 1991, com a queda da cortina de ferro, mas não sem traumas. As batalhas com os russos deixaram marcas na população. Um dos locais que mais me impressionaram em Bacu foi a Alameda dos Mártires, um memorial e cemitério dedicado aos mortos nos conflitos com o exército soviético em 1990, durante o chamado Janeiro Negro.

Embora o país seja secular, a religião sempre teve forte influência. Antes do Islã, o zoroastrianismo era a principal crença. Os avestas de Zaratustra geraram a cultura e até o nome do país, adotado em 1918: o nome Azerbaidjão deriva do farsi antigo e significa “protetor do fogo”, elemento sagrado naquela que foi a primeira religião monoteísta do mundo, trazida pelo império aquemênida.

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Uma viagem pelos arredores de Bacu proporciona múltiplas experiências. Vulcões de lama gerados pelo gás natural subterrâneo, montanhas que ardem em chamas há séculos, templos milenares do zoroastrianismo, belíssimas mesquitas e uma geografia desértica irregular que percorri em um antigo e possante Lada Niva russo. Parte dos muros e portões da capital permanecem imponentes até hoje. A Torre da Donzela e o Palácio dos Xás de Xirvão são as construções mais famosas, erguidas entre os séculos 10 e 12.

O país iniciou de forma democrática, com um governante eleito pela primeira vez na história da região, em 1991. Menos de dois anos depois, contudo, uma insurreição militar trouxe de volta ao poder o antigo líder da república soviética, Heydar Aliyev, homenageado com o nome do principal aeroporto do país, em Bacu. Embora tenha eleições, na prática, o país se tornou uma ditadura, com partido dominante, sem liberdade de imprensa e com limitada liberdade de expressão. O presidente que sucedeu a Heydar foi seu filho, Ilham Aliyev.

A riqueza do país veio com a exploração de petróleo e gás natural, iniciada no século 19 e radicalmente acelerada nos anos 1970. 92% do PIB do Azerbaidjão é representado pelos hidrocarbonetos da costa e das águas profundas do Mar Cáspio.

Como em outras ditaduras e oligarquias, o resto do mundo tolera governos ditatoriais quando o país tem riquezas minerais e poder econômico que o alinhem aos interesses das grandes potências. Em conversas com os simpáticos azeris, notei uma inicial conformação com a situação política, seguida de um desabafo contido que reflete o desejo por uma democracia de fato.

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